Enquanto o compasso geral de espera por que passa o país me deixa sem ter do que escrever, aproveito para ler alguns livros cuja leitura venho adiando a tempos. Um que eu estou gostando é Contos Obscuros de Edgard Allan Poe, uma coletânea de textos normalmente omitidos nas outras coletâneas.
Um dos contos (esse eu já conhecia) chama-se Uma Descida no Maelström, e conta a narrativa de um pescador norueguês que foi tragado por um terrível turbilhão de maré que existe dentro de um fiorde na Noruega, e conseguiu sobreviver. Uma passagem me chamou a atenção:
"Pode parecer estranho, mas então, quando nos achávamos nas verdadeiras fauces do abismo, senti-me com mais sangue-frio do que quando estávamos apenas nos aproximando dele. Tendo desistido de qualquer esperança, consegui dominar grande parte daquele terror que me acovardara a princípio"
Pois é precisamente assim que eu estou me sentindo em relação aos acontecimentos nacionais. Estamos descendo, lenta e inexoravelmente, em direção ao abismo, tal como o barco do azarado pescador, mas justo agora que tudo está paralisado - a presidente da república não age nem reage, o vice-presidente não se pronuncia, o presidente da câmara está prestes a perder o cargo, a oposição não vem com qualquer proposta, o ministro da economia não faz plano nenhum nem deixa o cargo - é que me sinto mais aliviado. Isso porque eu vejo que apesar de tudo isso, a situação não piora - apenas continuamos a descer, lentamente e sem atropelos, o abismo. Penso, então, que não devo temer a falta de ação do governo, devo mais é comemora-la, pois está visto que o Brasil funciona melhor sem governo do que com governo. Então, tal como o pescador norueguês escapou do abismo girando dentro de um barril para retardar a descida, talvez possamos também escapar de nosso abismo tocando nosso barco enquanto o governo permanece inerte. Que continue assim.
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