A tragédia recentemente ocorrida em Santa Catarina, onde um jovem mentalmente perturbado invadiu uma creche armado de um facão e matou várias pessoas, além das inevitáveis mensagens de pesar e clamor por justiça, despertou nos forum´s dos veículos da mídia uma discussão que me pareceu instigante. Alguns comentaristas afirmaram que se fosse liberado a população andar armada, como quer Bolsonaro, a tragédia não teria acontecido, pois certamente alguém já teria acertado o meliante com uma bala antes que ele pudesse causar mais estragos. Outros comentaristas replicaram, indignados, que se assim fosse, o assassino não estaria armado de uma faca, mas de uma pistola, tal como é nos EUA.
Então, o que é melhor, armar a população ou os bandidos, se a liberação colocará armas nas mãos de ambos? Aí caímos em uma daquelas armadilhas lógicas do gosto dos matemáticos. Certamente que bandidos, quando querem ter armas para violar a lei, violam a lei para ter armas. Mas um cidadão comum, mentalmente perturbado como foi o caso, teria acesso mais facilmente a uma arma se essas estivessem liberadas para os cidadãos. Provavelmente pegaria a pistola do pai, em casa mesmo. Voltamos então à estaca zero, e a discussão prossegue ociosa: liberar ou não as armas à população?
Para um quadro geral de criminalidade descontrolada e falta de confiança na polícia, é sedutora a ideia de fazer justiça com as próprias mãos. Sedutora e ingênua: a grande maioria dos cidadãos, se tivesse uma rama, não saberia usá-la. De um modo geral, sempre me pareceu pueril a proposta de Bolsonaro de armar a população, como se esta fosse uma solução mágica para o crime: então ele propõe que cada cidadão deve prender seu assaltante? Cômodo para os poderes públicos.
Mas tem a ver com a memória seletiva que projeta uma imagem edulcorada dos tempos da ditadura, quando supostamente bandido não tinha vez e a polícia resolvia tudo mandando bala. E do mesmo modo, a proibição das armas, e de resto todo o arcabouço legal que dificulta o combate ao crime também tem a ver com a memória do tempo da ditadura, desta vez com uma percepção invertida: a polícia era "do mal", os marginais eram o "povo oprimido" e a cadeia "não recupera". Sob este espírito de reparação das injustiças da ditadura foi escrita a constituição de 1988 e quatro anos depois o Estatuto da Criança e do Adolescente, com toda a sorte de empecilhos ao encarceramento e facilidades para o relaxamento da prisão em regime fechado. Não podia dar outra coisa, e o crime explodiu, produzindo o sentimento inverso do atual desejo de vingança, essa raiva difusa que leva o povo a votar em quem promete baixar o pau na bandidagem, geralmente sem cumprir.
Sem dúvida que a proposta de proibir as armas, abrandar a legislação penal e oferecer penas alternativas tem um traço humanista, pretensamente progressista e generoso. Mas também embute um sentimento rancoroso e vingativo contra o cidadão comum, jogando-se no corpo da sociedade a culpa pelos crimes cometidos pelos desvalidos, herança da ideologia de luta de classes que embalou o "espírito da época" que pariu o ECA e a constituição de 1988. O espírito da época atual é bem mais escuro, e emerge do ditado popular: aquele que absolve o lobo, condena a ovelha. Ninguém aguenta mais ser ovelha.
Mas o remédio não é dar armas a quem não sabe usá-las, e sim reverter todo aquela arcabouço legal que favorece o crime. Quem já teve contato com marginais sabe que bandido não tem medo de morrer, pois se tivesse não entrava para o crime - ao contrário, bandido sabe que vai morrer e cedo, e por isso procura aproveitar a vida ao máximo e de forma inconsequente. Bandido tem medo, isso sim, de cana dura. Não morrer, mas viver longos anos em uma cela sem conforto, sem festa, sem droga, sem mulher, sem nada daquilo que o motivou a ter uma carreira criminosa. Tanto medo tem, que quando ameaçado de um regime carcerário mais severo, chega a ter reações suicidas, como aquela de 2006 em SP, e em menor escala aquela de 2010 no RJ que motivou a criação da UPP´s. Solução para o crime é cadeia. Só.
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