sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Laurentino Gomes e a Escravidão

Soube que Laurentino Gomes vai lançar mais um livro, na verdade uma trilogia. Desta vez o tema será o tráfico negreiro, e o escritor tem a pretensão de determinar, no histórico da escravidão, as marcas deixadas na sociedade brasileira até os dias de hoje.

"A escravidão e suas consequências ainda estão no DNA do Brasil"

Não é uma ideia nova. Joaquim Nabuco já afirmava, no final do século 19, que a escravidão ainda seria por longos anos a marca distintiva do Brasil. Não sei se o autor, que até agora distinguiu-se pelo tom leve e jornalístico em suas obras anteriores, terá sucesso nessa empreitada que exige o trabalho de um historiógrafo de raiz. Meu receio é que caia no mesmismo de outra vertente de ensaios, esta da lavra de autores mais casuais, que aponta na sociedade brasileira uma alegoria da escravidão. Esse artigo é um bom exemplo.

Os argumentos são repetitivos. O membro da classe dominante brasileira é apresentado como uma caricatura de senhor de escravo, supostamente mantendo até hoje uma mentalidade escravocrata, o que explicaria ao alto índice de desigualdade social no Brasil e a falta de empreendorismo de nossa elite empresarial. Mas como toda estereotipação caricatural, é fácil de reconhecer mas difícil de identificar. Até onde essa imagem corresponde à realidade?

O membro da "classe dominante" citada, presumivelmente é o grande capitalista. Mas enumerando os nomes de grandes empresários brasileiros da atualidade, há muitos descendentes de senhores de escravos?

Não, não há. A classe patronal brasileira é formada, em sua maioria, por descendentes de imigrantes europeus, árabes e orientais chegados aqui nos estertores finais da escravidão ou logo após a abolição. É óbvio que o sucesso que esses pioneiros tiveram estava relacionado às transformações econômicas que sucederam o fim da escravidão, sem o qual não teriam sequer mão-de-obra para suas fábricas. Esses personagens são, de fato, o oposto do senhor de escravos, atores de um cenário sócio-econômico incompatível com a escravidão.

O desfavorecimento dos descendentes de escravos em nosso quadro social é autoevidente. Mas passados mais de cem anos da abolição, até que ponto esse desfavor ainda pode ser atribuído ao passado escravocrata?

Observando nossos vizinhos que tiveram muito menos escravidão e a aboliram muito antes de nós, vê-se que o quadro social ali não é muito diferente. As diferenças sociais são marcantes e os descendentes de europeus estão em uma posição muito superior. Mas se isso não é consequência da escravidão, será consequência do racismo inerente à mesma?

Até certo ponto, sim. O racismo existe e é perceptível em várias situações da vida social e profissional dos indivíduos, aqui e em nossos vizinhos. Mas um equívoco que tenho observado muito persistente é atribuir ao racismo a diferença social entre brancos e pretos. Em um processo de seleção para um cargo bem pago, é possível que um candidato negro seja preterido em favor de um branco. Mas na maioria dos processos de seleção para cargos bem pagos, só há candidatos brancos. Os negros não chegam lá porque em geral não puderam frequentar boas escolas. Mas um branco pobre teria a mesma dificuldade.

É também frequentemente apontada a predominância de jovens negros entre as vítimas de homicídio e a população carcerária. Mas em geral os assassinos de negros também são negros, e assim como a maioria das vítimas de marginais negros. Penso que esse discurso é um esforço dar um viés racial à luta de classes marxista. Tem fundamento? Eu nunca vi jovens favelados saírem pelas ruas a agredir brancos. O envolvimento de negros com a marginalidade está obviamente relacionado ao passado escravocrata, que fez a população negra predominante nas áreas de alta criminalidade. Entretanto não é o racismo o motor dessa criminalidade, mas principalmente o tráfico de drogas.

Acredito que a falta de capilaridade social consequente da pouca eficiência de nossa economia é a verdadeira causa da alta diferença social entre brancos e negros. Uma explicação puramente econômica, que pode ocorrer em vários lugares independente de haver ou não uma grande herança da escravidão. E penso, também, que se nossos empresários são pouco empreendedores, tal não se deve à mentalidade escravagista, mas ao vício de depender do estado para fomentos, subsídios e protecionismo - este sim um traço cultural que pode ser rastreado na História, mas cuja origem não é a escravidão, mas o sistema econômico conhecido como mercantilismo, que vigorou no país até a abertura dos portos em 1808. Muitos empresários brasileiros ainda estão esperando um alvará régio que lhes conceda o monopólio em uma determinada área para atuarem, tal como acontecia nos tempos de colônias.

Falta de capitalismo.

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