quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Os rótulos duram mais que os conceitos

Sempre que entro em um desses forum´s de discussão política sou possuído por uma sensação de haver voltado no tempo, até pelo menos os anos sessenta. Impressiona-me a repetição de chavões e esquematismos que faziam sucesso por aquela época, mas que qualquer um com um mínimo de percepção histórica reconhecerá como anacrônicos nos dias de hoje. Tudo é culpa das elites, do imperialismo ianque, da colonização, da mídia burguesa, dos religiosos e por aí afora. Mas se as palavras ainda são as mesmas, a forma como elas são articuladas não é mais a mesma. Acredito que um militante lá dos anos sessenta, trazido por uma máquina do tempo à época atual, ficaria surpreso de ver os atuais militantes de esquerda defendendo empresários e banqueiros corruptos, idolatrando marginais comuns e jurando que somos tão racistas quanto os norte-americanos. Sem contar que naquele tempo se considerava homossexualismo um sinal de decadência burguesa e ambientalismo coisa de porra-louca.

Claramente, os rótulos duram mais que os conceitos que pretendem representar. Em algum instante inicial, os rótulos foram cunhados a partir dos conceitos, mas com o passar do tempo um e outro foram se distanciando. Os rótulos são papagueados, e ninguém mais cuida de verificar se, como diz a canção, as ideias correspondem aos fatos. Um exemplo gritante é o adjetivo "neoliberal", um dos mais em moda atualmente. O neoliberalismo é conceito dos anos 80, da Inglaterra de Thatcher e dos EUA de Reagan, e o termo atualmente se encontra em desuso, exceto na América Latina, onde o neoliberalismo nunca existiu mas tornou-se sinônimo de tudo o que há de ruim no mundo.

Os próprios conceitos basilares de esquerda e direita já não são mais os mesmos. Em seu contexto original, denotavam a luta de classes: esquerda era os trabalhadores, direita os patrões; esquerda era os pobres, direita era os ricos. Ninguém punha isso em dúvida. Após a queda do muro de Berlim, o antagonismo esquerda X direita deixou de ser irreconciliável, e os conceitos se tornaram mais frouxos, embora seus respectivos rótulos continuassem a ser repetidos mecanicamente, ecoando até hoje nos forum´s de discussão política. Entretanto, a dicotomia Esquerda X Direita, no mundo atual, pode ser traduzida em termos mais precisos: Mais Estado X Menos Estado. Trocando em miúdos, não se trata mais da luta ricos X pobres, nem mesmo da luta trabalhador X patrão. Hoje em dia se alinha com a esquerda todo aquele, rico ou pobre, que está de alguma forma beneficiado pela máquina do Estado. E se alinha com a direita todo aquele, rico ou pobre, que sobrevive da iniciativa privada.

Assim explicado, não surpreende que um milionário empreiteiro beneficiado por seus contatos políticos se alinhe com um governo de esquerda, tal qual os milhões de beneficiários do bolsa-família, bem como não surpreende que o camelô da esquina amaldiçoe o governo sempre que vê o dólar subir. A luta atual travada no país é essa: os que dependem do estado X os que dependem se si próprios. Ilusoriamente, os rótulos continuam a ser vestidos tal como camisas do seu time de futebol preferido - ninguém se surpreende de que muitos defensores da esquerda nada tenham de pobre nem de trabalhador - mas o embate real é mais prosaico: o governo não quer cortar as suas despesas, prefere que o cidadão comum corte as despesas dele. O governo não quer botar os seus funcionários na rua, prefere que o dono da lojinha da esquina bote os dele na rua. E assim prossegue a queda-de-braço enquanto o pessoal se distrai repetindo divisas altissonantes do século passado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário