Datando da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, hoje completamos vinte anos de hegemonia PT / PSDB na política brasileira em um clima de inédita polarização entre esses dois pilares. É sabido que a última eleição foi a mais disputada dos últimos tempos, e é notória a divisão do país entre os apoiantes de Dilma e os de Aécio. Com o ar ainda impregnado de discussões políticas, ao sabor das paixões de cada um, tem-se a impressão de que Dilma e Aécio, e por conseguinte o PT e o PSDB, encarnam duas opiniões diametralmente opostas, duas visões e dois projetos totalmente inconciliáveis: Direita X Esquerda, Ricos X Pobres, Democracia X Ditadura, Nacionalismo X Submissão, Bem X Mal, etc.
Mas não é a impressão que eu tenho. Minha abordagem é histórica, e a abordagem histórica altera a perspectiva das imagens ao acrescentar-lhes a dimensão do tempo: o que antes parecia de um jeito na imagem chapada, feita de instantâneos do tempo presente, ganha profundidade quando comparamos com o tempo passado. Isso me lembra uma diversão que havia muito antigamente nas revistas de palavras cruzadas, junto com curiosidades e ilusões de ótica: o leitor era apresentado a um desenho onde só se viam as silhuetas em preto das figuras, e desafiado a descobrir o que representava aquela imagem. Na primeira impressão sempre parecia alguma coisa estranha, tipo uma feiticeira mexendo um caldeirão. Mas quando íamos à página de respostas, onde era mostrado o mesmo desenho tridimensional, víamos uma dona de casa varrendo um tapete debaixo de uma mesinha de centro. O tapete, redondo, em silhueta lembrava um caldeirão, e o que parecia o chapéu da bruxa era na verdade um pote colocado sobre uma prateleira bem atrás da cabeça da mulher. A mesma ilusão temos ao apreciar os fatos acrescentando-lhes ou não a dimensão histórica, como no caso dessa suposta polarização PT X PSDB: bem avaliado ao longo desses vinte anos de hegemonia, o que eu vejo de fato não é um embate, e sim uma gangorra tendo em uma ponta o PT, em outra ponta o PSDB. Como em toda gangorra, ora um sobe e o outro necessariamente desce, sendo a descida condição necessária para a posterior subida. Evidente que todos querem ficar em cima, mas como toda criança sabe, só com um não dá para brincar de gangorra. Nem com mais de dois. O crucial, em política, é ficar por cima no momento certo.
E quem tem se saído melhor nessa brincadeira de gangorra? É fato que o PSDB saiu na frente, com duas vitórias eleitorais de FHC sobre Lula. O PT soube perder, pois em toda gangorra, ficar em baixo é condição necessária para subir, embora nada determine por quanto tempo o parceiro pode permanecer no alto. Em seguida o PT venceu em 2002, e tem permanecido em cima até agora. Mas ficam algumas indagações no ar.
Lula poderia ter ganho já em 1994? Ou em 1990, se recuarmos até a eleição de Collor?
Poder, poderia, mas os resultados teriam sido muito diversos. A economia não estava estabilizada, e a inflação disparava. Na América Latina, todas as experiências populistas levadas a cabo antes da estabilização econômica dos anos noventa fracassaram inapelavelmente, produzindo caos e hiperinflação, sendo exemplos Siles Suazo na Bolívia e Alan Garcia no Peru. Se Lula houvesse ganho qualquer uma das eleições que disputou antes de 2002, ele só teria duas opções: fazer mais ou menos o mesmo que Fernando Henrique fez, e assim ficaria desmoralizado junto às bases, ou partir para uma aventura populista que inevitavelmente terminaria em caos hiperinflacionário. Tanto na primeira quanto na segunda hipótese, Lula estaria destruído politicamente.
Vê-se, portanto, que a estabilização da economia a partir do Plano Real, levada a cabo pelo PSDB, foi essencial para garantir o bom desempenho de Lula a partir de 2002, o qual já rendeu até agora três vitórias sucessivas do PT. Conscientemente ou não, o PT soube ficar por baixo na gangorra na hora certa, e soube também o momento certo de subir. Mas como vai se comportar de agora em diante a gangorra PT / PSDB? Por quanto tempo o PT ficará por cima? Será que, assim como foi bom o PT ficar por baixo antes de 2002, pode ser ruim o PT ficar por cima em 2014, com o quadro atual da economia em queda?
Imagino o que aconteceria caso Aécio Neves houvesse ganho a eleição. Ele teria vencido por uma pequena margem; o PT, mesmo derrotado, ainda seria uma força considerável, e o PSDB não poderia governar sem negociar com os petistas. O eleitorado ficou satisfeito com o governo petista, e como é natural, espera do novo governo o aprofundamento dessas mudanças. Ao contrário do que acreditam alguns apoiadores ingênuos, o PSDB não é um partido de direita, muito menos neoliberal: é um partido social-democrata, tal como o próprio PT, embora sem os arroubos revolucionários deste. Mesmo se tivesse a intenção de fazer reformas profundas, não teria força para fazê-las. Tudo o que Aécio poderia fazer seria mais ou menos o mesmo que Fernando Henrique fez em 1994: atacar um quadro de economia em queda e inflação crescente com as indispensáveis medidas de austeridade, aí incluído cortes nos gastos públicos, congelamento de salários e privatizações. Essas medidas necessariamente acarretam um ônus de impopularidade, e o PT facilmente venderia ao povo a sua versão de que o PSDB é o partido que é dos ricos, do grande capital e do FMI, que deseja o arrocho para o povão. Não demoraria até que todos começassem a sentir saudades dos bons tempos petistas em contraste com os tempos bicudos tucanos. Tal como aconteceu em 2002, o PSDB entregaria ao PT triunfante um país com as contas no azul, pronto para novo ciclo de crescimento. Portanto, talvez tenha sido bom para o PSDB ficar por baixo na gangorra nesses quatro anos.
E afinal, foi bom para o PT haver ganho essa eleição? Não teria sido este o momento de ficar por baixo na gangorra?
Há muitos desdobramentos a considerar. A única coisa certa é que o novo governo terá que tomar medidas impopulares para estancar o déficit público, como aliás já está fazendo. Desde 2002 até agora o PT tem governado com facilidade, já que o povo está satisfeito, mas com o povo batendo panelas na rua, a coisa muda. Deve ser lembrada a intensidade das manifestações ano passado; é certo que elas não se voltaram diretamente contra o PT, mas isso é uma possibilidade a considerar. Eu penso, então que o PT tem três alternativas:
1) Partir para a ditadura, estilo bolivariano, com milícias armadas e pressão sobre a mídia;
2) Conformar-se com uma derrota para o PSDB em 2018;
3) Auto-sacrifício: Dilma vai tomar todas as medidas amargas necessárias para sanear as contas públicas, arcando com o ônus de impopularidade, o que a deixará obviamente queimada, mas será de fato o sacrifício em holocausto de Dilma: o próprio PT a abandonará e passará a atacá-la, assim preparando o clima para o retorno de Lula em 2018 na posição de salvador da pátria.
Temos quatro anos para ver.