domingo, 30 de março de 2025

Gerando uma classe média que não paga impostos

Tem sido muito comentado o plano do governo Lula de isentar 10 milhões de contribuintes que ganham até 5 mul por mês. A perda de arrecadação seria supostamente compensada pelo aumento de impostos sobre a reduzida parcela da população que ganha mais de 50 mil por mês. Alguns acusam a medida de eleitoreira, já que a popularidade de Lula está em queda, outros põem em dúvida a matemática empregada e temem o impacto sobre s contas públicas. Não vou entrar neste mérito. O que me chamou mais atenção foi uma frase dita por Lula para fundamentar seus propósitos:
 
"A gente vai criando benefícios até que o Brasil se transforme em país de classe média"
 
Então, a fórmula para gerar um país de classe média é criar benefícios?
 
A frase, bem como o projeto de isenção de IR, têm tudo a ver com o que Lula entende como o papel de um governo. É verdade que os países onde a classe média é majoritária são países ricos que concedem muitos benefícios à população. Mas não foram esses benefícios que geraram a classe média, eles são a consequência, e não a causa. A classe média nos países de primeiro mundo vem sendo gerada desde a revolução industrial, com o crescimento da economia - os benefícios são mais para as classes trabalhadoras.
 
Na visão de Lula, entretanto, a geração de uma classe média não tem nada a ver com o crescimento da economia - supostamente, os recursos já existem, estão só mal distribuídos. Tudo o que é necessário fazer é tirar dos ricos e dar aos pobres, conforme a proposta de isentar de tributação aqueles que Lula entende como sendo a classe média.
 
Mas classe média não pode ser definida econometricamente. Uns dirão que são aqueles que ganham acima de X, outro que são os que ganham acima de Y. A classe média é um conceito psicossocial - trata-se do conjunto de indivíduos que consideram satisfatório seu padrão de vida, e desejam reproduzi-lo na geração seguite. Portanto, a classe média molda o rosto e a cultura de seu país, e por conseguinte, tem interesse em vigiar a forma como é governado. Isso porque aqueles que governam o país, fazem-no com a receita de impostos que em sua maioria é paga pela classe média.
 
Isentar de impostos uma fatia da população é alienar aquele conjunto de indivíduos de qualquer interesse quanto à gestão financeira do Estado. Afinal, quem liga para saber como é gasto um dinheiro que não saiu de seu bolso? Assim sacramenta-se a visão do Estado como figura paternal que tira dos ricos para dar aos pobres, ao invés de síndico de uma receita provida pela população. Pagar impostos é essencial para a educação política do cidadão. Não que o pobre deixe de pagar imposto se for isento do IR - ele continua pagando aquelesque estão embutidos no custo das mercadorias. Mas esses não são sentidos, e portanto não têm valor didático.
 
A falta dessa educação política proporcionada pela obrigatorieadade dos impostos é a explicação do porquê tantos políticos condenados por corrupção são reeleitos pelos mesmos eleitores pobres. Afinal, o candidato não roubou a eles, pois o dinheiro roubado não veio do bolso deles. Mas talvez a intenção seja essa mesmo.
 
Isentar de impostos não produz um país de classe édia, mas um país de eleitores que não se importam com a corrupão dos políticos.

domingo, 16 de março de 2025

O Fim de Lula

O governo Lula está com a aprovação em declínio. O próprio Lula está com a saúde em declínio, devido ao avanço da idade. Não deveremos vê-lo em um novo mandato. Mas esse seria o fim da Era Lula?

Primeiro, é preciso questionar se uma Era Lula realmente existiu. A presença de Lula na política, e não somente no poder, foi fracionada e teve um perfil diferente a cada época. Não se distingue um rumo único e preciso, e ele próprio sempre pareceu mais preocupado em construir sua própria imagem do que ao país. Começou como um líder sindical carismático, diferente de todos surgidos antes, que parecia nutrir um certo desprezo pelos políticos, mesmo os de esquerda. Depois entrou na política e tornou-se o deputado federal mais votado, mas raro comparecia às sessões e não apresentou um único projeto importante. Deixou claro que o único cargo público que o interessava era o de presidente da república, e passou a tentar a cada eleição, sendo sempre derrotado, sem contudo desmoralizar-se nem tampouco ser eclipsado por outro candidato de seu partido.

Por fim obteve sua primeira vitória após mudar radicalmente sua imagem, abandonando os preceitos marxistas ultrapassados e mostrando-se disposto a se aliar àqueles que antes combatia raivosamente - o Lulinha Paz e Amor, uma versão atenuada e populista do Lula antigo. Em seus dois mandatos, implementou uma espécie de getulismo tardio, reavivando alguns dos antigos ditames do desenvolvimentismo e do trabalhismo getulista, o que foi possivel devido à conjuntura econômica favorável. Esquivou-se habilidosamente do Escândalo do Mensalão, preservou sua imagem e conseguiu fazer sua sucessora.

Depois, a queda. Abatido por outros escândalos, viu sua sucessora sofrer impedimento e terminou ele próprio na cadeia. Mas não estava acabado. Renascido das cinzas, venceu nova eleição e tornou-se mais uma vez o presidente, e mais uma vez desfrutou de resultados favoráveis na economia, com queda no desemprego e crescimento do PIB. Mas tal como ocorreu em seu período anterior, os bons momentos são sucedidos por desajustes. Como bem comentou na ocasião Arnaldo Jabor, Lula aproveitou o bom momento na economia para fingir que governou. A bomba estourou na mão de sua sucessora, e agora ameaça estourar em sua própria mão.

Nunca houve um projeto político e econômico claro de Lula, apenas conjunturas temporárias habilidosamente aproveitadas. Mas figura que permaneceu tantas vezes à frente do imaginário coletivo e do próprio país, onde ainda se encontra, merece ser analisada. Se não é um projeto, o que tem mantido Lula tão presente, muito mais do que qualquer outro líder de sua geração? É preciso analisar com cuidado seu perfil. Encontrei essa síntese, que me pareceu bastante interessante:

"Lula não é apenas uma pessoa, ou um cidadão comum que seja temporariamente político, ou “que está político”. Não. Lula é a personificação de um político. Ele mede tudo segundo o capital político ganho ou perdido.

Não existe povo.

Não existe partido.

Não existe nada além de poder, de influência e de ganhos e perdas políticas, que servem para aumentar ou para diminuir poder e influência.

Digo-o especialmente no caso de Lula, porque é o que se observa de seu comportamento constante ao longo dos anos.

Não deixou de fazer campanha nem quando estava preso. Não deixou de fazer campanha e dar pronunciamentos políticos nem no enterro de sua esposa, D. Maria, nem no velório de seu neto.

Ganhos e perdas políticas (...) e isto pode mudar de um dia para o outro"

Longe do personagem que criou, quem o conheceu na intimidade descreve-o como grosseiro, arrogante, narcisista, sem qualquer preocupação de ser agradável ou de estar ofendendo seu interlocutor. Sua personalidade reúne os atributos mais toscos e primitivos do brasileiro de pouca cultura, destacando-se o machismo, o compadrio, o paternalismo, a malandragem. Lula é um perfeito Macunaíma. Mas é óbvio que seu carisma deriva justamente destes atributos, pois criam um poderoso senso de identificação com o tosc brasleiro comum do povo. Lula nunca procurou educar-se ou adquirir hábitos mais polidos porque tal destruiria o personagem por ele criado.

Avalie-se como quiser sua atuação política e os benefícios e malefícios que legou à população, não se pode furtar a reconhecer que Lula merece a memória que lhe será prestada, pois soube como poucos encarnar as poucas qualidades e os muitos defeitos dos brasileiros de sua geração.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

A Garotinha Alemã e o Menino Brasileiro

Recentemente causou discussão um vídeo mostrando um livro didático alemão para crianças, que exibe em uma página dois exemplos: uma garotinha alemã, aí de uns oito anos, que estuda na escola, faz aula de guitarra depois da classe, e quer ser professora quando crescer; e um menino brasileiro da mesma idade, que não estuda, passa os dias catando comida no lixo e quer ser jogador de futebol quando crescer. Brasileiros que vivem na Alemanha se queixaram que seus filhos foram alvo de zombaria de seus coleguinhas, que até lhes trouxeram comida para caçoar deles.

Normalmente eu não deveria dar importância a um caso assim, mas tem tudo a ver com o momento atual, aliás não apenas na Alemanha.

Até acredito que a intenção dos autores fosse atrair a simpatia das crianças alemãs para os brasileiros pobres, vítimas de graves problema sociais. Mas se o resultado foi atrair o desprezo e o deboche, então esse objetivo não foi atingido. E o motivo fica claro na forma como o assunto foi abordado, estabelecendo um paralelismo: a menina alemã é estudiosa, emprega o seu tempo em coisas úteis e tem propósitos edificantes para o futuro; o menino brasileiro não estuda, prefere catar comida no lixo a trabalhar, e quer ser jogador de futebol. A mensagem sub-reptícia, nada sutil, é que o menino brasileiro é pobre porque é vagabundo.

Os comentários dos brasileiros ao vídeo dividiram-se entre a indignação e a aceitação patética: "é assim mesmo, aquilo existe, os brasileiros estão catando comida no lixo".

Sim, gente fuçando lixo no Brasil existe realmente. Adultos e crianças. A única incorreção é que não catam comida, pois dificilmente encontrariam algo ainda aproveitável em meio ao lixo, mas sim procuram materiais recicláveis para vender. Contudo, se não há dúvida de que isso existe, fica a dúvida se alardear isso para o estrangeiro contribui de alguma maneira para resolver o problema. Muita gente acha isso edificante, tipo fazer uma grave denúncia e revelar ao mundo nossa miséria, como se o mundo a ignorasse, ou talvez apenas experimentem aplacar o sentimento de culpa ao bater no peito. Mas a reação das crianças alemãs escancara bem que tipo de sentimento essa visão induz ao estrangeiro. Se eles se chocassem com a pobreza alheia, não pagariam para fazer tours em nossas favelas.

Esse afã de expor nossa miséria ao estrangeiro é comum sobretudo ao pessoal de esquerda, inclusive nosso presidente, que já chegou a exibir estatísticas afirmando que 37% dos brasileiros passam fome. Querem aforntar as elites, ou talvez cutucar os imperalistas dando a entender que eles têm culpa disto. Fariam melhor se estudassem com mais cuidado o fenômeno do imperialismo no século 19: as potências procuravam retratar os povos colonizados como miseráveis, ignorantes e irresponsáveis, a fim de justificar moralmente sua dominação. Acredito que esse sentimento ainda habita muitos europeus comuns nos dias de hoje.

Com o ar envenenado por antagonismo, racismo e xenofobia em um mundo onde é crescente a tensão contra imigrantes, decididamente não é a hora certa de abordar esses assuntos para crianças.

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Deportando Imigrantes

O assunto após a posse de Donald Trump é a deportação de imigrantes ilegais, com direito a imagens de deportados desembarcando algemados em aeroportos brasileiros, relatando maus tratos sofridos. Os clamores variaram de "Aquilo é um atentado aos direitos humanos" até "Eles não são criminosos para serem algemados". Mas aí entramos em um terreno de subjetividade. É incorreto colocar algemas em deportados? Mas tem sido assim desde sempre, inclusive no Brasil, a diferença é que agora há imagens e atenção. Algemas são apenas para criminosos? Bem, tecnicamente, um imigrante ilegal cometeu um crime, pois cruzou a fronteira sem estar autorizado a fazê-lo.
 
Mais proveitoso do que discutir essas questões, é conceituar de maneira isenta o problema da imigração ilegal. Que na verdade não é um problema, mas uma característica indelével do mundo moderno - historicamente, fluxos migratórios são fenômenos persistentes, e não o resultado de crises ocasionais. Só podem ser entendidos à luz da ciência econômica, a Lei da Oferta e da Procura. Alguém quer dar emprego àqueles imigrantes. A situação geral do terceiro mundo, hoje, não é pior do que era a trinta ou cinquenta anos atrás, foi o primeiro mundo que mudou - antes, havia oferta de mão-de-obra local para as ocupações hoje dadas a imigrantes, agora esta oferta desapareceu. A engrenagem-mor deste processo é a transição demográfica, que fez cair o número de nascimentos e escasseou a oferta de mão-de-obra para trabalhos menos especializados, que tradicionalmente são feitos pelos mais jovens e menos experientes. Os imigrantes vem ocupar esses nichos.
 
Mas quem são, afinal, esses imigrantes?
 
A princípio, indivíduos pobres, perseguidos políticos ou fugitivos da violência. Mas os imigrantes oriundos do Brasil parecem ter um perfil diferente, a julgar por este artigo. A entrevistada não é pobre, é formada em administração e largou um emprego em uma multinacional. Sei de brasileiros que pagaram a contrabandistas até cem mil reais, quantia suficiente para inicar um pequeno negócio no Brasil. Entendo que os imigrantes brasileiros tenham um nível sócio-econômico mais alto que os centro-americanos, pois estão bem distantes da fonteira dos EUA e têm que pagar muito mais. Mas se continuam a fazer isso, então é preciso concluir que o que recebem compensa o que pagam - há muita gente ali interessada em lhes dar emprego, como o patrão trumpista da entrevistada.
 
Mas se a imigração é fenômeno antigo nos EUA, as coisas não são mais como antes. É digno de nota que a entrevistada, embora afirme trabalhar na área financeira, não deixa de fazer serviços de babá. Nos tempos da Estátua da Liberdade, os imigrantes subiam rapidamente e se integravam à sociedade. A diferença vem do fato da atual imigração ter como motor a transição demográfica, que ao mesmo tempo que encurta a oferta local de mão-de-obra pouco qualificada, aumenta a presença de indivíduos mais idosos e já estabelecidos no mercado - as vagas para esses empregos de mão-de-obra bem qualificada continuarão exclusivas para os americanos de velha cepa. A consequência é a formação de um vasto setor da população descendente de imigrantes que permanecem não integrados, dando origem a tensões sociais.
 
O atual fenômeno migratório só pode ser compreendido se abordado pelos prismas econômico e demográfico. Se os norte-americanos quisessem mesmo se livrar dos imigrantes, bastaria que começassem a lavar pratos em lanchonetes, recolher lixo, fazer faxinas e cuidar de crianças. Então não seria necessário deportar os estrangeiros, eles iriam embora por conta própria por não terem emprego.

domingo, 19 de janeiro de 2025

A Cultura Woke foi um tiro no pé da esquerda?

Descobri essa indagação interessante em um vídeo. Explicando, cultura woke refere-se a uma percepção e consciência das questões relativas à justiça social e racial, sugerindo uma postura militante a esse respeito. O termo deriva da expressão de inglês afro-americano "stay woke" (fique desperto) e nos últimos anos tem se aplicado amplamente a políticas identitárias, causas sociais liberais, feminismo, ativismo LGBT e questões culturais, causas quase obrigatoriamente abraçadas pela esquerda.  Mas a evolução da militância woke tem tido desdobramentos imprevistos, conforme relatado:

"As últimas décadas foram de nítido avanço na luta contra o preconceito e a desigualdade. Em todo o mundo, as minorias - um leque que abrange negros, mulheres, imigrantes, homossexuais e pessoas trans - se beneficiaram de uma ampla e saudável revisão de julgamentos pela sociedade, que resultou na aprovação de leis garantindo seus direitos e punindo quem não os respeitasse. Assim caminhou a humanidade, com mais tolerância e aceitação, até a grita ultraconservadora ganhar força e um fosso se abrir entre ela e a banda mais progressista. A acentuada radicalização que se seguiu pegou em cheio os ventos da mudança social, permitindo que um grupo de zelotes tomasse a si a função de estender a teia de inclusão a limites extremos, atirando pedras para todo o lado e recorrendo às redes para sumariamente cancelar todo e qualquer suspeito de discriminação - uma cruzada furiosa a que deram o nome woke. Tanto provocaram e exageraram que o woke, depois de um pico de influência, entrou em acelerado declínio - fazendo ressurgir, infelizmente, o impulso para realimentar séculos de injustiças"

Neste quadro, os partidos de esquerda agora têm dúvidas sobre se foi mesmo um bom negócio adotar tal agenda de forma tão incondicional. Não deixa de ser o sinal de um desgaste mais amplo da esquerda - a substituição de uma agenda política por uma agenda cultural. No Brasil, o Partido dos Trabalhadores foi quem mais abraçou essa nova linha de ação. Voltando um pouco no tempo, tudo começou com o Politicamente Correto, e frutificou com o chamado Marxismo Cultural, muito em voga no primeiro govverno do PT, quando foi amplamente reverberado por militantes e ONG´s apoiadas por este partido.

No entanto, a adoção do Marxismo Cultural foi responsável por um fenômeno até certo ponto surpreendente, e indiscutivelmente ruinoso para a esquerda - o afastamento de amplo público das periferias, que passou a aproximar-se de líderes religiosos vinculados a partidos de direita. Isso aconteceu porque aquela população viu seus valores tradicionais vilipendiados pelo discurso dito progressista, mas que não representava seus anseios, ao passo que os pastores forneciam um discurso que fazia sentido conforme as crenças e valores daquelas pessoas.

Um erro de pontaria tão crasso necessita de uma explicação, e a explicação é uma só: a idealização feita pelos intelectuais militantes sobre aquilo que o povão é, ou deveria ser. Esses intelectuais militantes vieram quase todos da classe média e do meio estudantil universitário, e nunca conviveram com a população pobre. O povo das periferias é basicamente conservador, não compreende conceitos sociológicos complicados, no lugar destes prefere assimilar a mensagem dos religiosos, para a qual basta crer. Aquilo que mais aflige o povo das periferias, como criminosos e drogas, é justamente aquilo que os intelectuais militantes mais defendem. Não admira que esse segmento da população tenha pendido em massa para a direita, que promete endurecer contra o crime e a imoralidade.

A esquerda agora precisa fazer o caminho de volta, de uma agenda cultural para uma agenda política.


domingo, 15 de dezembro de 2024

O Fim da Bipolarização?

É sabido que a escolha de presidentes radicais-caricatos, tipos como Lula, Bolsonaro e Donald Trump, é sintoma de um estado de desalento da população, que procura alternativas diferentes do convencional. O caso mais grave foi o de Hugo Chávez, do qual, de certo modo, o povo venezuelano ainda não conseguiu se livrar. Aqui pelo menos nenhum conseguiu tomar o poder para si, mas a alternância entre os extremos sinaliza que estamos presos em algum atoleiro.

Entretanto, pela primeira vez em anos, há sinais de que podemos encerrar essa etapa obscura. Quem será o próximo presidente?

A maré está totalmente contra Bolsonaro e seu grupo, cuja desmoralização é crescente, sobretudo após a descoberta dos planos golpistas. Por sorte que são uns trapalhões, se bem que o radicalismo de suas propostas não deixa de ser assustador. Mas a oportunidade passou.

Já Lula, além da idade e dos problemas com a saúde, está claramente "dilmando", conforme é mostrado pela deterioração dos indicadores econômicos, sobretudo a alta do dólar. A política lulista já ultrapassou o limite onde podia ser benévola, e as nefastas consequências estão aparecendo. Acho improvável que o PT emplaque mais um presidente nesse quadro.

Então, finalmente, poderemos ter um presidente "normal", sem ares de patético salvador da pátria. Aguardemos.

domingo, 24 de novembro de 2024

A Romantização da Pobreza

Um fenômeno antigo por aqui, com o qual já estamos até acostumados, é a romantização da pobreza. No espetáculo de abertura das olimpíadas de 2014, foi exibida uma favela. Eu me lembro do espetáculo de abertura da última Copa do Mundo no México, cujo tema foram os ancestrais aztecas e suas obras, justo motivo de orgulho. Acredito que a nenhum organizador ali ocorreu a ideia de mostrar favelas da Cidade do México. Aqui, no entanto, não somente é visto um valor pictórico nas favelas, como existe há vários anos um passeio organizado de turistas para quem quiser vê-las.

Algo que parece um contrassenso tão forte merece ser analisado. Este vídeo tenta algumas explicações. Mas eu acredito que para se obter a explicação completa, deve-se voltar às origens deste fenômeno, ali pelos anos 30 do século passado.

Naquela época havia em nosso meio intelectual e artístico uma enorme ânsia por uma autenticidade nacional, já bastante notável desde a década anterior com sua Semana da Arte Moderna. Queríamos ser reconhecidos por algo que fosse, supostamente, genuinamente nosso, e não uma imitação do estrangeiro. Foi aí que se elegeu o samba como a música brasileira por excelência, e seus dois corolários, o carnaval e a favela, como o berço da cultura popular nacional.

O samba nasceu nas favelas, junto com o carnaval? É questionável. O carnaval já existia antes do samba, e o maior intérprete do samba na época, Noel Rosa, era um branco de classe média. Mas isso não importa para a discussão em curso. O que importa é que a favela ganhou desde então o status de berço da cultura popular, e passou a ser exaltada pelo cinema e pela literatura, até virar produto de exportação. O Estado deu todo o apoio, consoante ao objetivo da Era Vargas de cultivar o nacionalismo ao mesmo tempo em que domesticava as manifestações populares "perigosas", como o carnaval e o samba.

Poderia ter sido uma mania passageira, fruto do momento político, mas a romantização da pobreza prosperou, e pode-se dizer que atinge seu auge agora, quando MC´s vem dizer: a favela venceu. Esses mesmos MC´s, agora ricos, há muito não residem mais em favelas, e só aparecem lá para gravar clip´s, mas como fenômeno midiático, a favela de fato venceu, mesmo que o funk seja uma imitação dos guetos norte-americanos, e não tenha nascido nas favelas brasileiras, ao contrário do samba. Mas isso tampouco importa. A meu ver, o motivo da vitória da favela foi o reconhecimento estrangeiro, algo que sub-repticiamente desjávamos com todo aquele afã de buscar coisas genuinamente brasileiras.

De fato, a favela é como o estrangeiro imagina que o Brasil "deve ser". Não fosse assim, nenhum turista pagaria para fazer tour em favela, nem o tour seria feito em veículos todo-terreno adequados para passeios na selva, tampouco o guia estaria paramentado como quem vai a um safari. Essa encenação toca um imaginário colonial muito caro, sobretudo, a estrangeiros vindos de países que tiveram impérios no passado. Remonta à época do descobrimento, com sua paisagem de índios nus na praia, dando partida na utopia até hoje cultivada: um povo que não precisa do trabalho nem de bens materias, pois vive apenas da fruição de prazeres carnais, comer, beber, dançar e fazer amor. Não é essa a imagem que a favela exibe ao mundo?

Talvez tenha sido até uma boa intenção elevar a favela à condição de ícone nacional, ao invés de escondê-la e discriminá-la, mas é evidente que o resultado, longe de incutir a empatia, expôs a favela ao deboche. Hoje, artistas ricos e turistas romantizam a favela, mas quem vive lá, só quer sair o quanto antes.