segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Dois motivos para otimismo

Ainda não dá para ter uma ideia precisa de como será o novo governo, mas dois fatos por mim observados autorizam certo otimismo.

O primeiro, é a estabilidade da economia, que ainda está longe de apresentar forte crescimento, mas exibe inflação baixa e desemprego em queda, ao contrário da típica turbulência que se segue às incertezas de um novo governo.

O segundo, foi o modesto discurso de Bolsonaro em Davos.

Esses sinais apontam para aquele que considero o cenário ideal para o país, nesse momento: o protagonismo da economia e o eclipse da política. Ao fazer um discurso curto, quase tímido, Bolsonaro mostrou que não está disposto a se embrenhar em um terreno que definitivamente não é seu forte: a palavra. Dizem que ele, calado, é um poeta. Difícil é ficar calado por quatro anos, mas se mantiver um estilo discreto, já é alguma coisa. Já a economia, tal como a grama, cresce quando ninguém olha para ela.

Bolsonaro claramente é um personagem despreparado para a política. Nunca exerceu um cargo executivo, e no congresso notabilizou-se por seus bate-bocas insultosos. Foi eleito pelo voto de raiva de multidões decepcionadas por sucessivos governos de esquerda que atiraram ao lixo a moralidade pública e se recusaram a reprimir criminosos. Mas parece ter percebido cedo que a retórica dos palanques é inútil nos gabinetes. O escândalo envolvendo seu filho também veio em ocasião oportuna para baixar sua crista. A esperança é que mantenha o estilo discreto e deixe o governo para os especialistas. O momento é crucial para que sejam feitas as reformas de que o país necessita, cujo impasse vem travando o crescimento, em especial a reforma da previdência. Bolsonaro tem grande potencial, tanto de destravar este nó com as reformas, quanto de provocar um enorme desastre. Dar prosseguimento ao discurso extremista do tempo dos palanques, neste momento, terá o mesmo efeito que sambar na corda bamba.

Observando o cenário econômico, o que se vê ainda é pasmaceira. Mas isto não é ruim, levando em conta o histórico desde o início da crise. É nesse momento que se pode apreciar corretamente o valor do governo Temer, o de menor índice de aprovação de nossa História. Quando assumiu, a economia apresentava um quadro de acelerada degradação, com inflação em alta e crescimento negativo. Temer não fez o país sair da crise, mas entrega a seu sucessor um quadro de inflação em queda e crescimento positivo. Faltou-lhe apoio, é certo, para as reformas cruciais como a da previdência, além de estar ele próprio manchado por escândalos, mas fez o essencial: desviou o país da rota para o desastre. Como se diz, estancou a sangria. Se Temer tem algum valor a mostrar, é o valor do presidente impopular, que não tem ambições políticas futuras, e por isso mesmo pode dar-se ao luxo de tomar aquelas medidas desagradáveis, porém indispensáveis para se sair de uma crise, medidas essas que Dilma Rousseff dificilmente teria condições de tomar, presa que estava aos compromissos eleitorais. Tivesse ela permanecido no poder, o quadro econômico teria se agravado, e as últimas eleições seriam disputadas em um ambiente de raiva e polarização ainda mais pronunciado.

Mas agora a economia parece pronta para novo ciclo de crescimento, desde que livre de turbulências políticas e de projetos bombásticos. Há boa chance disto acontecer, esperando-se que Bolsonaro permaneça disposto a acolher aquele conselho que o rei da Espanha deu a Hugo Chávez: "pusque no te callas?"

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Colonialismo e Sociedade Civil

É recorrente afirmar-se que a má formação de nossa sociedade civil origina-se no colonialismo pautado em violências e escravidão. Mas sempre ficam alguns tópicos mal explicados: por que o mesmo não ocorreu nas colônias britânicas do norte? Recentemente li um artigo na revista Leituras da História a respeito da obra do abade francês Guillaume-Thomas Raynal, História Filosófica e Política dos Estabelecimentos e dos Comércios dos Europeus nas Duas Índias, que me chamou a atenção.

Não conhecia esse autor. Suas conjecturas não diferem muito das de outros autores humanistas, sobretudo religiosos, acerca das violências da colonização europeia do Novo Mundo, mas algumas colocações são originais. Em linhas gerais, o autor questiona: como haveria progresso em uma sociedade dividida entre dominadores cruéis e dominados apáticos e improdutivos?

Pelo que Raynal observou, a violência dos colonos não apenas abatia aos nativos, mas também desumanizava os próprios colonos: "As molas de sua alma foram quebradas", escreveu, referindo-se aos nativos. Já os colonos eram constituídos por indivíduos "descontentes de sua sorte", ou seja, a escória de sua sociedade, que tinham a oportunidade de enriquecer à custa da rapina em um local onde o governo civil era fraco e incapaz de contê-los. Seus descendentes, escreveu, tornavam-se "tiranos". Isso deu origem a uma sociedade "destituída de virtudes cívicas".

Raynal se pergunta se o europeu, uma vez liberto dos constrangimentos das leis e dos costumes, não é mais perverso que o selvagem. Compara os colonos portugueses a "tigres domesticados que retornam à floresta". Nada disso é novidade. Mas uma observação de Raynal me chamou a atenção. Ao afirmar que os descendentes dos primeiros colonos, aventureiros, tornavam-se pequenos tiranos, ele afirma que a chusma de pequenos tiranos é mais danosa que um grande tirano.

Penso que aí pode estar a chave para entender as diferenças entre a colonização ibérica e a britânica na América do Norte. Diferenças quanto aos resultados, pois quanto aos métodos, há mais semelhanças que diferenças. Também no norte a ocupação do território por europeus foi marcada pela brutalidade. Também ali havia aventureiros, escravidão e opressão aos nativos. Mas não se distinguem ali os pequenos tiranos a que Raynal se referiu. Havia apenas um grande tirano - o governo colonial inglês - do qual os colonos se livraram de um golpe só, o fazerem a revolução.
A administração colonial portuguesa era tirânica, mas fraca. No vasto interior, a multidão de pequenos tiranos, os "homens bons" das câmaras, fazia o que queria. Repetidamente desobedeciam, ameaçavam e corrompiam os funcionários do governo. Aqueles senhores de terras e escravos sabiam que a manutenção de suas posses dependia muito mais de sua capacidade de ter homens armados sob seu comando, do que da investidura de um rei tão distante que parecia lendário. Mas na América do Norte, a administração colonial mostrou-se capaz de conter os excessos dos colonos, e assim originar virtudes cívicas. Suas instituições, em grande medida, foram conservadas pelo governo independente que se instalou em seguida.

De fato, no Brasil, os colonos chegados só começaram a manifestar um comportamento parecido com os da América do Norte após a independência. Mas aí já não se chamavam colonos, e sim imigrantes. Os imigrantes de diversas origens foram os primeiros exemplos de virtudes cívicas do país, nem sempre reconhecida, mas bastante presente no imaginário nacional: a união familiar e a organização de comunidades, a devoção ao trabalho, a educação das crianças. Foram esses imigrantes os responsáveis pelos primeiros estabelecimentos de agricultura familiar no país, bem como das primeiras indústrias. E no entanto, eram constituídos pelo mesmo grupo humano dos antigos colonos, aqueles a quem Raynal denominou "os descontentes com sua sorte".

Mas se o colono era como um tigre domesticado que retornava à vida selvagem, o imigrante foi um tigre domesticado que se tornou um manso gatinho. O motivo é bastante evidente: eles não aportavam no país como aventureiros, nem era tolerado que fizessem o que quisessem. Tinham locais delimitados para se estabelecer. Eles não compunham câmaras de "homens bons" capazes de todos os desmandos, na verdade a entrada na política esteve praticamente vedada a eles até meados do século 20 Tiveram que concentrar-se em sua vida e seus projetos pessoais.

Se quisermos realmente cultivar virtudes cívicas, temos que liquidar o passivo dos descendentes dos aventureiros que aqui aportaram, e penso que isso só pode ser feito com o endurecimento da legislação e penalidades severas. Antes um só tirano que uma chusma de pequenos tiranos.