terça-feira, 21 de abril de 2015

Deixem o PT roubar, senão...

Tenho acompanhado a argumentação apresentada pelos simpatizantes do PT desde que se tornou notório o imenso esquema de corrupção protagonizado por este partido antes tido como a vanguarda da ética na política. Compreendem três fases distintas. Na primeira, negam as acusações. Na segunda, já não negam, mas acusam seus adversários de fazer o mesmo. Na terceira, assumem o que fizeram, mas afirmam que tal foi benéfico para o povo ou simplesmente necessário para seu projeto político.

Esta cara dura não me impressiona tanto assim, pois quem conhece a História sempre soube que o combate à corrupção jamais foi uma bandeira da esquerda. Não há motivo para sê-lo, pois quem empunha essa bandeira endossa uma moral burguesa: a proibição de roubar, derivada do tabu da inviolabilidade da propriedade privada. Ora, quem professa uma ideologia de inspiração marxistas ou anarquista necessariamente não reconhece o princípio da inviolabilidade da propriedade privada, e portanto não tem motivo algum para condenar a corrupção. Se alguém ainda insistir que roubar é moralmente errado, pode-se afirmar que a corrupção seria inerente ao sistema capitalista e só poderia ser eliminada junto com este - assim, o combate à corrupção, antes da liquidação do capitalismo, é inútil, e após, desnecessário. Por conseguinte, não há sentido para um militante de esquerda clamar por ética na política, e de fato, na História do Brasil, esse discurso tem sido mais típico dos partidos conservadores, apropriadamente taxado pela esquerda de "udenismo" e dito ser mero subterfúgio para derrubar governos legitimamente eleitos. Só com o surgimento do PT, na década de oitenta, essa tendência se inverteu à medida em que esse partido apresentava-se como reformador dos costumes políticos e paladino da ética, sempre atacando e eventualmente derrubando governos corruptos, e desde então, no senso comum daqueles cuja memória histórica é curta, estabeleceu-se a noção de que a luta anti-corrupção é uma bandeira da esquerda e que só a direita é corrupta.

Essa noção foi violentamente virada de cabeça para baixo tão logo o PT assumiu o poder, surpreendendo os ingênuos. Repetindo o que disse, eu próprio não me surpreendi, mas admito sentir um certo mal-estar nesse momento em que vejo a maioria dos apoiadores do PT chegando à fase 3 - aquela em que o malfeito é assumido e justificado. Como diz o ditado, a hipocrisia é a última homenagem que o vício presta à virtude. O que virá depois? Assusta-me que alguns artigos escritos por apologistas do PT sejam ponderados e bem embasados, sem tanta necessidade de recorrer ao cinismo. Um exemplo foi esse aqui de Luís Nassif. que encontrei no GGN. Destaca um suposto desastre político e econômico que a Operação Mãos Limpas teria provocado na Itália, e adverte para a possibilidade do mesmo ocorrer aqui, quando o juiz Sérgio Moro repete os métodos da Operação Mãos Limpas.

Afirma ele, a corrupção sempre fez parte dos costumes políticos italianos desde o tempo dos Médici, e a eliminação desta prática teria surtido consequências políticas e econômicas desastrosas, com a destruição do sistema político do pós-guerra, e liquidação dos quatro principais partidos políticos italianos - o Democrata Cristão, o Socialista, o Social Democrata e o Liberal - bem como de numerosas empresas privadas e estatais. Após a guerra, a Itália experimentara impressionante recuperação econômica e chegou ao posto de 5a economia do mundo, os empresários eram pujantes e criativos, o povo vivia feliz em meio à roubalheira dos políticos. Depois, acabou a esfuziante dolce vita: a economia estagnou, os empresários foram para a cadeia ou faliram, e no vácuo criado pela destruição do sistema político penetraram aventureiros como Sílvio Berlusconi. Conclui o autor, na construção das grandes economias há mais barões ladrões do que monges mendicantes.

Embora haja uma repulsa instintiva em assumir que a corrupção é melhor que a honestidade, é preciso admitir que tudo o que Luís Nassif argumentou é rigorosamente verdadeiro. A Itália, de fato, passou por um período de rápido crescimento até o início da Operação Mãos Limpas, desde então passa por um prolongado declínio econômico, e Berlusconi foi de fato um governante desastrado. Mas... será que foi mesmo a eliminação da corrupção que causou tudo isso?

É uma questão instigante, ainda mais porque cai em um terreno perigosamente fértil: nós aqui no Brasil também temos um longo caso de amor com a falta de ética. Fomos nós que romantizamos a malandragem, fomos nós que criamos o personagem Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, e temos sempre disposição para incensar todo tipo de personagem sem caráter, bem como para eleger e reeleger todo tipo de político ladrão. Enfim, não faltam argumentos para afirmar que a corrupção é indissociável do caráter brasileiro, e portanto ela é boa e necessária ao funcionamento de nossa sociedade. A mensagem é: deixem o PT roubar em paz, senão... acabaremos igual à Itália!

Devemos engolir isso?

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Por que a corrupção aumentou nas obras públicas?

O assunto do dia é a terceirização, objeto de uma lei que está em debate na câmara, com a finalidade de permiti-la em todas as atividades de uma empresa. Os argumentos pró e contra são aqueles rasos e maniqueístas de sempre: a terceirização é "precarização" do trabalho, mas vai garantir o aumento das contratações, etc. Mas em meio a essa balbúrdia eu encontrei aqui um raro artigo melhor elaborado que procura correlacionar a terceirização com o aumento da corrupção nas obras públicas.

O autor afirma que o notório aumento da corrupção nas obras públicas foi a consequência do desmonte dos departamentos de engenharia das estatais. Antes esses departamentos eram responsáveis pelo Projeto Básico, e muitas vezes também o Projeto Executivo, e as empreiteiras ficavam somente com a execução, fiscalizadas de perto pelos engenheiros da empresa. Assim minimizavam-se as oportunidades de adendos contratuais e mudanças nos projetos com o fim de encarecer a obra. Com a terceirização, isso acabou: as empreiteiras ficaram com todo o projeto na mão, e puderam deitar e rolar.

Bom artigo, muito racional e honesto, mas faltou responder uma questãozinha essencial: se os departamentos de engenharia das estatais eram tão bons assim, por que motivo eles foram desmontados?

Os petistas vão bradar que a culpa é dos tucanos que sucatearam as empresas em sua busca pelo "estado mínimo", e os tucanos vão bradar que o PT, uma vez no poder, nada fez para mudar esse estado de coisas, muito pelo contrário. Mas se quisermos dar seguimento ao tom de honestidade deste artigo, tempos que ir à raiz do problema. Eu já trabalhei em empresa estatal mais de uma vez, tanto como terceirizado quanto como concursado, e posso dizer que conheço o problema por dentro, e por suas duas vertentes. Seja lá o que foi que aconteceu, ocorreu entre o fim do regime militar e o atual governo. O autor do artigo foi honesto bastante para expor aqui uma verdade muito embaraçosa, que todo o mundo sabe mas ninguém diz: no tempo dos militares havia bem menos corrupção nas estatais. E olha que não era para ser assim, pois no tempo deles havia censura e se eles quisessem, qualquer escândalo podia ser abafado. Veio a democracia, acabou a censura. Então, o que deu errado?

A raiz do problema da terceirização, a meu ver, é a própria CLT, que com o tempo tornou-se tão complicada, arriscada e onerosa, que os empregadores acharam preferível pagar a conta altíssima dos atravessadores de mão-de-obra. Mas no que diz respeito às firmas estatais, existe um considerável agravante: a enorme burocracia para fazer contratações, em razão da obrigatoriedade de concurso público. Não sei se vocês fazem ideia de como é demorado e custoso realizar um concurso público. Primeiro tem que ter previsão orçamentária. Aí tem que publicar o edital, fazer as provas, corrigir, formar o cadastro reserva, e só pode chamar de um em um, conforme a classificação na lista. Imagine que a empresa necessita urgente de um profissional com determinado perfil. Não há tempo para fazer um concurso, e mesmo se houvesse, não compensaria fazer concurso para preencher uma só vaga. Mesmo se houver sobras do cadastro reserva do último concurso, pode não haver ali um profissional com o perfil requerido, e se houver, ele pode estar em uma posição mais atrás na lista e não pode ser chamado antes dos outros que estão na frente. Simplesmente não há outra alternativa além da terceirização!

No tempo dos militares, as pessoas eram mais honestas? Não creio. Eu penso que a explicação é outra: no tempo dos militares a CLT era menos complicada e havia menos burocracia para as empresas estatais contratarem, sem tanta exigência de concurso público. A teoria que eu tenho para explicar a decadência e o desmonte dos departamentos de engenharia é a seguinte: com o tempo, as contratações foram ficando tão difíceis que os departamentos não puderam ser renovados à medida em que os engenheiros saíam, se aposentavam ou morriam. Chegou um momento em que não houve outra alternativa senão terceirizar tudo, do projeto à execução.

Como solucionar esse impasse?

Voltando à raiz do problema, é preciso rever a CLT, que se tornou totalmente obsoleta. No caso específico das estatais, é preciso que elas tenham a mesma liberdade quanto à gestão de seu pessoal de que desfrutam as empresas privadas. Quando uma empresa privada necessita de um profissional, ela vai no mercado e o contrata sem mais delongas. Então, ou se privatiza de uma vez todas as empresas, ou se acaba com a obrigatoriedade de concurso público, mesmo porque concurso público é algo indicado somente para funcionários públicos, pessoas que exercem funções de responsabilidade que exigem uma formação específica - fiscais, auditores, juízes, etc.

Se isso for feito, penso que a terceirização retornará a seu escopo original - as atividades contratadas como empreitada, com prazo para terminar. Afinal, ao contrário do que muitos pensam, terceirizar não sai barato: as empresas alocadoras de mão-de-obra cobram cerca do triplo do salário em carteira de cada trabalhador alocado. O empregador, invariavelmente, se dispõe a pagar um valor X por cada empregado, valor esse determinado pelo mercado de trabalho. Se desse valor, um total y será descontado na forma de encargos trabalhistas pela CLT ou na forma de pagamento à empresa terceirizada, isso é indiferente para o empregador: ele desembolsou X, e ponto final. Mas não é indiferente para o empregado, que recebe X - y em seu contracheque. Acredito que para o trabalhador, interessante seria se ele recebesse o valor X integralmente - sem nem o Estado, nem o atravessador de mão-de-obra no caminho.