sábado, 29 de julho de 2017

A História se repete?

Nesse momento de compasso de espera, onde a História parece haver travado, fica a sensação de que estamos presos a um ciclo que se repete. Nos cometários, abundam comparações com episódios ocorridos no passado seguidos da observação: viram? Está acontecendo de novo igualzinho! Anda muito em voga comparar o momento atual com o ano de 1961, quando, conforme é sabido, foi instituído o parlamentarismo para tirar os poderes do recém-empossado João Goulart. Teria sido um "golpe parlamentar" análogo ao que ocorreu em 2016 com o impedimento de Dilma Rousseff. Outros analistas estendem a comparação até o ano de 1954, quando a fórmula para impedir Getúlio Vargas de governar foi levá-lo ao suicídio.

Esta injunção merece análise. Eu acho que a História se repete, sim. Mas não com o mesmo significado. A dinâmica dos fatos pode ser análoga, mas o contexto não. É então que se aplica o conhecido aforismo, a História se passa duas vezes, primeiro como tragédia, depois como farsa. O contexto histórico de agora não é igual ao de 1961. Naquele ano vivia-se o auge da guerra fria, a URSS era superpotência e a revolução cubana estava logo ali. A possibilidade de uma revolução violenta e de guerra civil por aqui não era uma fantasia, era algo palpável e temido pela população. Penso que a única semelhança concreta entre os eventos atuais e os de 1961 é a presença de oportunistas desejosos de tomar o poder, o que não é extraordinária, posto que esses oportunistas existem sempre e em todo o lugar. O ex-presidente Juscelino Kubitschek foi vítima deles, que tentaram impedir sua posse, mas também ele próprio foi um deles, pois deu apoio à derrubada de Goulart achando que assim teria campo livre para chegar à presidência em 1965. Mas a diferença mais crucial, além do clima político da guerra fria, foi o papel das forças armadas, que naquele tempo tinham ficha limpa, já que nunca antes haviam governado o país, e estavam aptas a se tornarem atores políticos. Muitos achavam que o governo militar, devotado ao país e não a partidos ou ideologias, seria ideal para livrar o país da corrupção e da irresponsabilidade dos políticos, levando-o ao desenvolvimento e à paz social.

No momento atual não há ator político para semelhante papel. O que se vê é um grande vazio onde brotam os oportunistas de sempre, aqui e ali algum arrivista radical, como o deputado Jair Bolsonaro, uma caricatura dos militares de 1964, ou o próprio Lula, que à falta de outra opção surge como o candidato com maior intenção de votos. O PT foi retirada do poder, mas simplesmente não se encontrou nada para substituí-lo, talvez porque de anos para cá todos os partidos tenham se dedicado a repetir o discurso petista. A direita brasileira foi liquidada pelos militares, que queriam governar sozinhos, então cassaram os líderes direitistas mais proeminentes e submeteram os restantes à liderança de políticos provincianos na vala comum da antiga ARENA. Não há mais uma direita assumida e intelectualmente relevante no país.

Mas tampouco existe a polarização que existia em 1961. A ojeriza que a direita tem hoje por Lula não pode ser comparada à ojeriza que a direita tinha em 1961 por Jango. Basta lembrar a vasta composição da base aliada dos governos petistas, integrada inclusive por Temer. No contexto de 1961 seria absurdo pensar em arranjo similar, com a UDN compondo-se com o PTB e o PCB. Lula já foi há muito metabolizado pelo organismo político brasileiro. A meu ver, o que esse organismo não consegue digerir não é o Lula ou Dilma, mas sim o PT, que é atualmente o único partido rigidamente organizado e disciplinado em um país onde os políticos agem para si e não para seu partido. Houve um genuíno temor de que a máquina petista enquadrasse a base aliada tal como enquadra seus próprios integrantes, e quando viram a enormidade de dinheiro desviada para a caixa do PT, enriquecendo-o e fortalecendo-o, aí eles se voltaram contra a corrupção...

O que vem em 2018 é uma loteria, pois de onde não há nada, tudo pode surgir. Lula pode até ser eleito, mas é tolice achar que um novo governo seu realizará todos os projetos revolucionários sonhados pela esquerda desde os anos 30. Se Jango não era Vargas, Lula não é Jango nem Vargas, Lula é Lula mesmo. Ele pode até fazer um bom governo, mas não poderá descartar as forças políticas conservadoras do país. Se em 2003, com uma base muito maior, ele não pôde descartá-las, muito menos agora, que sua base é bem menor.

Esperemos 2018 sem exagerar nas comparações com o passado. A História se repete, sim. Mas não com o mesmo significado.