sábado, 30 de maio de 2015

Dilma e Isabelita: tudo a ver?

Como afirmei no último post aí embaixo, não dá para escrever sobre o presente sem desvencilha-lo do contexto histórico onde se encontra inserido. Em outras palavras, não dá para falar no presente sem falar no passado. Sobretudo quando o passado teima em repetir o presente.

Um exemplo de repetição do passado, tal como uma peça que é reencenada com atores diferentes, eu encontrei aqui nesse artigo que traça paralelos entre Dilma Rousseff e Isabelita Perón da Argentina. A comparação é oportuna no momento político em que estamos vivendo, e verificam-se paralelos e divergências igualmente importantes. Como se sabe, Isabelita foi a primeira mulher presidente da Argentina, chegou ao poder por obra e graça de seu marido e patrono político Juan Perón, governou sem autoridade e refém de aliados oportunistas como López Rega, seu ultracorrupto ministro do bem-estar social, e por fim levou seu país a uma séria crise que terminou com sua deposição. Alguma coisa a ver?

Para começar, a história pessoal de Isabelita nada tem em comum com a história pessoal de Dilma Rousseff. O currículo de Isabelita aponta como ocupação inicial antes de chegar à presidência ter sido dançarina de cabaré. Dilma, bem ou mal, sempre teve presença na cena política desde a juventude. Deve ser de pronto ressaltado que a história de Isabelita se insere em uma trama exclusivamente argentina, sem correspondente brasileiro: ela foi escalada para ser a segunda encarnação de Evita Perón, a mãe dos descamisados.

Nesse ponto já não sei se estou falando de Evita ou de Isabelita, já que ambas representaram o mesmo personagem, ou melhor, uma é a reencarnação da outra. Em meio ao antigo caudilhismo latino-americano e seu afã por um governante que se comporte como um Pai da Pátria, os argentinos alcançaram um estágio mais profundo: exigem não só um Pai, mas também uma Mãe. Evita Perón foi a primeira Mãe, e atendendo às expectativas, ela tratou o povo tal como uma mãe trata seus filhos. A morte de Evita coincidiu com o esgotamento das reservas acumuladas pelo país durante a 2a Guerra, e na cabeça do povo, os tempos difíceis que então se iniciaram foram atribuídos à ausência de sua provedora. Desde então, ressuscitar Evita tornou-se uma obsessão para muitas gerações de argentinos. Primeiro tentou-se preservar seu cadáver embalsamado. Não adiantou, e o cadáver foi até roubado. Depois tentou-se fazer uma segunda Evita na pessoa de Isabelita, a nova esposa de Perón. Mas ao contrário de sua encarnação original, Isabelita não revelou nenhuma capacidade como governante, e as funestas consequências de seu governo são por suficiente conhecidas para que eu precise repeti-las aqui. A encarnação atual de Evita é Cristina Kirschner, que juntamente com seu marido Nestor, reencenou a trama do Pai e da Mãe da Pátria, que tratam o povo como seu filho e o orçamento da nação como seu orçamento doméstico. Mas essa trama é uma especificidade argentina. Há algum paralelo com Dilma Rousseff?

Algum paralelo há, sim. Tal como Isabelita, Dilma é um astro sem luz própria, que chegou ao governo pelas mãos de um patrono, este sim imbuído de poder e carisma. Perón, na Argentina, e Lula no Brasil, em momentos diferentes usaram Isabelita e Dilma como joguetes de seus projetos pessoais, embora sem sucesso. A ideia de Lula era dar a Dilma um mandato-tampão, esperando que ela pusesse as contas em ordem após os gastos excessivos do último ano de seu governo. Dilma deveria tomar medidas de austeridade, arcar com o correspondente ônus de impopularidade e deixar tudo em ordem para o retorno triunfal de seu patrono em 2014, em clima de copa e olimpíada. Como sabemos, as coisas não transcorreram conforme planejado, e Lula adiou para 2018 seu projeto de volta ao poder. É nesse ponto que ficam evidentes outros paralelos mais inquietantes entre a nossa Dilma e a Isabelita deles: tal como Isabelita, nossa presidente tem se mostrado uma governante fraca, refém de aliados mal-intencionados, que conduz o país a uma crise econômica. Resta esperar que o desfecho não seja o mesmo!

Quanto a mim, sinceramente não creio que o desfecho de Dilma vai repetir o de Isabelita. Penso que as medidas de ajuste serão tomadas, e seus adversários ficarão contentes em vê-la queimada. Se Dilma não fez a faxina encomendada por Lula em seu primeiro mandato, terá que faze-la agora. No momento certo, Lula anunciará seu rompimento com Dilma, dirá que não sabia de nada e se lançará em campanha com discurso de oposicionista. E Dilma, como boa faxineira, sairá pela porta dos fundos.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Quando penso no futuro...

"Meu filho, tome cuidado, quando penso no futuro, não esqueço meu passado"

Esse blog, como afirma o título, versa sobre História, aquilo que é passado. Mas mesmo quando comento assuntos do presente, é impossível separa-los de seu contexto histórico.

Com o anúncio pelo governo do ajuste fiscal, estamos assistindo a mais um debacle da euforia desenvolvimentista, como tantos outros que já tivemos em nossa História. Uma interessante explicação para tantos "voos de galinha" eu encontrei aqui nesse artigo de Diogo de Almeida Fontana, intitulado Take your time, Brazil.

Cito alguns trechos:

"...nosso primeiro século de existência independente foi um tempo de condescendência, no qual se reconhecia as mazelas, se apontava os problemas, com a consciência de que havia muito por fazer, mas reputando tudo sempre como desculpável, explicável por nossa juventude. Com o tempo, com o trabalho, cedo ou tarde haveríamos de atingir o patamar dos povos da Europa (...) Subitamente, todavia, despontou ao Norte um gigante que vencia europeus no campo de batalha, que erguia torres que chegavam até o céu, que fabricava automóveis, aviões, navios, e tudo o mais que se possa imaginar, que decidia uma guerra mundial. (...) Doravante não havia mais desculpa, não havia mais perdão. Caiam as escamas dos olhos nacionais. O Brasil revelava-se definitivamente um país atrasado, periférico, um povo bárbaro que ficara para trás na carreira da História"


"Desde então a pressa, um sentimento de urgência, um aflitivo imediatismo, tomou de vez a alma nacional. O Brasil já não tinha tempo a perder, era preciso correr, fazer 50 anos em 5..."

"Pressa, pressa, sempre a pressa a pautar nossas decisões! Levamos luz elétrica aos rincões e aos subúrbios, mas em horrorosos postes de concreto com a fiação exposta. Construímos estradas e pontes, mas com aparência militar, cinzas, feias, sem adorno, sem acabamento."

Algo que nunca deixei de reparar na paisagem urbana brasileira é como tudo parece ter sido feito "nas coxas", apressadamente, de qualquer maneira, sobretudo quando comparado a obras similares realizadas nos países desenvolvidos. O último governo não foi diferente: Dilma ressuscitou o nacional-estatismo que Fernando Henrique havia mal-e-mal sepultado, e retornamos à rotina de obras caras e mal feitas financiadas com dinheiro público distribuído pelo BNDES ao séquito de empresários amigos-do-rei, os juros subsidiados à custa dos juros altos pagos pelos que não são amigos do rei, ou pela totalidade da população na forma de perda do poder aquisitivo de sua moeda.

Quando nosso futuro deixará de repetir o passado?

domingo, 10 de maio de 2015

Lula assumindo

Uma notícia recente veio na medida para confirmar o que eu havia escrito em meu último post: O ex-presidente uruguaio José Mujica, em um relato autobiográfico, afirmou haver ouvido do ex-presidente Lula que o mensalão era a única forma de governar o Brasil.

É claro que Mujica prontamente desmentiu a notícia que difamava o colega. Mas a impressão que ficou foi de que Lula, e possivelmente o PT como um todo, estão chegando àquela terceira etapa a que me referi: vão assumir que fizeram, e dizer, sem temor, que aquilo que fizeram foi bom para o país. Estará o PT, então, despindo de vez sua capa constitucional e assumindo sua essência?

Quem quiser conhecer a essência do PT pode visitar essa página do partido. Nota-se o enorme abismo entre o discurso das bases militantes e a prática do PT no poder. O que concluir? As hipóteses são duas:

1) O plano da base militante é o que efetivamente norteia o PT, e a prática da cúpula governista é uma fachada, ou

2)  A base militante não passa de massa de manobra que serve de cabo eleitoral à cúpula governista.

Podemos discutir se a realidade é (1) ou (2), mas é indiscutível que essas duas facetas do PT têm convivido desde muito tempo. Por que essa aparente contradição interna não racha o PT? Ao contrário, ambas parecem capazes de conviver juntas por tempo indeterminado. Qual seria o "real" PT?

O senso comum, comparando o governo petista com outros governos de esquerda ditos bolivarianos no continente, é que o PT seria muito mais moderado. Mas analisando retroativamente, vê-se que todas as propostas radicais implementadas pelos governos bolivarianos, aí incluídas a regulação da mídia e a criação de conselhos populares, foram em algum momento colocadas pelo PT. A diferença foi que, aqui, elas foram rejeitadas por ampla margem no legislativo. Ideologicamente, portanto, não se pode afirmar que o PT difira da Venezuela de Chávez e da Argentina de Kirschner. A diferença reside na capacidade de impor tais medidas. Os outros regimes bolivarianos dispõem de uma militância armada e adestrada. A militância petista é desarmada e entretida com o chamado marxismo cultural. O que vale dizer: o PT depende dos trâmites do estado de direito para implementar seus projetos. Em outras palavras, depende de eleições e maiorias nas câmaras. Mas eleição só se ganha com o povo satisfeito, tendo emprego e crédito para comprar uma geladeira nas Casas Bahia pagando em 15 vezes. Todos sabem que isso só tem sido possível conservando-se a macroeconomia herdada do Plano Real, a qual por sua vez contradiz visceralmente o projeto da base militante. Foi esse o capital político que o PT acumulou e permitiu-o vencer as eleições nos últimos doze anos, e que agora começa a ser corroído pela crise. A circunstância de depender de eleição jogou o PT em um dilema:

1) Para ter sucesso na economia e assim angariar capital político, o PT precisa abandonar o ideário da base militante;

2) Para implementar o ideário da base militante, o PT precisa destruir o capital político que acumulou anteriormente.

Ora, mas é justamente com esse capital político que o PT contava para implementar o ideário da base militante! Se o destrói, dá um tiro no próprio pé. A única conclusão que podemos chegar é que a ascenção ao poder da base militante do PT é inviável pela via democrática. Enquanto o legislativo e o judiciário forem independentes, as eleições forem limpas e o eleitorado responder com desagrado à destruição da economia, o bolivarianismo só chega ao poder pela via revolucionária. Pode o PT realizar essa revolução? Sinceramente não creio. Penso que será em breve apeado do poder por obra e graça de um eleitorado por demais inculto para se deixar seduzir por discursos ideológicos, e que só vê o próprio bolso e os preços do mercado da esquina. Mas se essa derrota eleitoral se concretizar, tampouco deve-se ter a ilusão de que o PT terá caído por causa do mensalão ou do que mais diga respeito à corrupção que praticou. Será apenas uma consequência do caráter humano: é característica do venal ser também mau agradecido.