sexta-feira, 22 de agosto de 2025

De Novo o Velho Filme

O assunto da hora é a ameaça de Donald Trump à Venezuela, prontamente reagida com a convocação anunciada de 5 milhões de milicianos para defender o país. É claro que não vai haver guerra nenhuma. Meros três navios de guerra enviados pelos EUA não trazem um corpo expedicionário. E obviamente a Venezuela não tem condições de fornecer armamento e treinamento nem para 5% dos supostos 5 milhões convocados. Mas o teatro serve a ambos os protagonistas, pois tanto Donald Trump quanto Nicolas Maduro são parlapatões, e o truque de criar um inimigo externo para cooptar os inimigos internos é mais velho do que andar para frente.
 
De resto, não faz o menor sentido. Trump acusa Maduro de ser um traficante de drogas, mas mantém uma embaixada no país do suposto traficante, e autoriza a Chevron a operar ali. Mas o que tem me chamado a atenção desde o começo do imbroglio é a enxurrada de artigos, publicados até em veículos de mídia sérios, trazendo de volta uma retórica que parecia pertencer a décadas passadas. Os textos abundam de termos cunhados no século 19, época da Revolução Industrial e do Manifesto Comunista: "imperialismo", "colônia", "burguesia", "proletariado", "trabalhador", "camponês", parecendo folhas secas emergindo do fundo de um tanque onde se agitou a água.
 
Quem tem a minha idade com certeza já ouviu essa verborragia muitas vezes, repetida por pretensos intelectuais-militantes de classe média que nunca tiveram contato com operários ou camponeses, e enxergam o mundo pela óptica de modelos abstratos criados décadas atrás por pensadores socialistas, atualmente extintos no mundo desenvolvido. Acreditam piamente que ainda existem impérios coloniais, que Trump quer o petróleo da Venezuela, como se o petróleo da Venezuela já não estivesse no mercado global, e uma companhia norte-americana já não atuasse na Venezuela. O tempo, para eles, parece haver congelado naquela imagem passada por seus professores e líderes estudantis. Essa garotada até tentou fazer uma revolução brancaleônica décadas atrás, com grupos guerrilheiros compostos por não mais que poucas dezenas de militantes recrutados em ambientes urbanos, que se perderam naquele ambente rural do qual nada sabiam, que imaginavam povoados por massas de camponeses prontos a pegar em armas. Nada a ver com as FARC´s na Colômbia, grupo efetivamente formado por camponeses, que se contavam aos milhares e chegou a controlar boa parte do território do país.
 
Do sonho fuleiro fracasssado restou o palavreado que ainda povoa a retórica de inúmeros articulistas e intelectuais universitários. É tão inócuo quanto a guerra fingida de Trump e Maduro, mas escancara tristemente nossa incapacidade de assumir um papel no tempo histórico atual: parece que ainda estamos estacionados nos anos sessenta do século passado, repetindo chavões e palavras-de-ordem, presos a modelos abstratos criados na Europa de cem anos antes. De novo o velho filme.

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