América e China era o nome de uma loja na minha infância, que vendia coisas interessantes e diferentes, que não se achava em outro lugar. Creio que o nome sugeria essa vastidão que podia abarcar polos tão diferentes. Mas agora o nome bem sugere o panorama global, dominado pela América de Trump e sua guerra comercial contra a China.
No meu tempo, a polarização era entre os Estados Unidos e a ex-União Soviética, ditas superpotências. O Brasil era a potência ascendente, assim como a China. Mas tudo mudou. A União Soviética fracassou como superpotência, e foi rebaixada a membro dos BRIC's, mera potência ascendente. A China surpreendeu. O Brasil é o país do futuro, e... continua sendo. Na verdade, ninguém nem fala mais nisso. Nos anos cinquenta tínhamos a utopia dos 50 anos em 5 de JK. Nos anos sessenta a garotada rebelde tinha a utopia socialista da revolução cubana. Nos anos setenta havia a utopia do Brasil Grande dos militares. Hoje não há mais utopias.
Por que a China triunfou, e o Brasil fracassou? Ou será que foi isso mesmo? Comparando Brasil e China, o território é mais ou menos do mesmo tamanho, o que já basta para sinalizar uma futura potência. Mas a China tem um bilhão e quatrocentos mil habitantes, enquanto o Brasil tem duzentos e doze mil. As rendas per capita do Brasil e da China são quase as mesmas, US$ 20.667 e US$ 20.885 respectivamente. Mas o PIB bruto da China é US$ 29,375 trilhão, enquanto o do Brasil é US$ 4,101 trilhão. Isso significa que a população chinesa vive mais ao menos como a brasileira, entre áreas ricas e pobres. Mas se a China necessita de alguns bilhões para desenvolver um novo avião de caça, ou para uma missão espacial, ela tem.
Então, não há tanta semelhança entre Brasil e China, em termos de números. E de política? A China é comunista, e o Brasil é capitalista. A China tem desfrutado de um quadro político estável, que permite rígida aplicação de planos de longo prazo. Nem todo plano de longo prazo necessariamente dá certo, mas o da China aparentemente deu certo. Nosso quadro político teve numerosas guinadas nos últimos 70 anos, mas nosso modelo econômico permaneceu mais ou menos o mesmo entre os anos 30 e 80, o desenvolvimentismo nacional-estatista, oscilando entre sua vertente "nacionalista" (Vargas, Geisel) e sua vertente "entreguista" (Kubitchek, Castelo Branco). Esse modelo esgotou-se nos anos 80, mesma época em que a China deslanchou. Hoje vemos nossa falha com nitidez: nosso desenvolvimento industrial era voltado para o Estado, e não para o mercado. As empresas nacionais produziam computadores caros para vender a empresas estatais que estavam obrigadas a comprar produtos nacionais.
Ironicamente, então, o Brasil capitalista praticou um modelo soviético, que fracassou, enquanto a China comunista valeu-se de um modelo capitalista, ao menos em certos nichos.O princípio foi: toda liberdade ao capital, nenhuma ao indivíduo. E deu certo.
Mas não adianta julgar. O trem da História passou, e ficamos na estação. O mundo pertence a América e China, e somos espectadores. Sem utopias.