segunda-feira, 30 de julho de 2018

As eleições: possíveis cenários

Uma das principais vantagens de se pesquisar História é ter embasamento para prever o futuro. Se a reconstituição de fatos passados é sempre imperfeita devido à impossibilidade de ter em mãos todos os documentos, a previsão de fatos futuros será sempre imperfeita devido à impossibilidade de se observar todos os fatores intervenientes. Mas saber o passado dá boas dicas.

Em minha última postagem eu comentei que a História não termina, mas pode repetir-se em um ciclo sem fim, como um rolo de filme que sempre é recolocado. A impressão que tenho é que isso está acontecendo agora. A única coisa que me parece certa, aliás duas coisas, é que o bipartidarismo PT / PSDB esboçado desde o Plano Real abortou, e que a fase histórica iniciada pela constituição de 1988 chegou ao fim. O que virá em seguida?

O PT, apeado do poder pelo impedimento de Dilma, apegou-se à narrativa do golpe. Segundo repetem sem para, teria havido um golpe em 2016, tal como houve um golpe em 1964, portanto o regime constitucional atual não é mais válido, o presidente em exercício não é legítimo, nem tampouco o será o próximo presidente, posto que uma eleição sem Lula é uma fraude. Quando se contesta as regras do jogo, a única alternativa é virar a mesa por meio de uma revolução. Mas o PT tem força para fazer uma revolução? Ninguém concordará com essa assertiva no momento atual. É verdade que, como dizem, a revolução não avisa quando vai acontecer, e há muitos exemplos de revoluções que eclodiram em momentos inesperados. Mas também há muitos exemplos de revoluções que não aconteceram desafiando as previsões. Ao pactuar com os demais partidos para exercer o governo em 2002, o PT descaracterizou-se. Após o escândalo do mensalão, caíram vários líderes históricos e o PT ficou dependendo exclusivamente do carisma de Lula, que funcionou bem por bastante tempo. Mas agora Lula está preso, e mesmo se não estivesse, já está no fim de sua vida pública e mesmo no fim da vida propriamente dita, e o PT não formou nenhum outro líder de estatura minimamente semelhante.

O PSDB perdeu o bonde da História. Após o sucesso do Plano Real, teve a chance de ocupar no espaço político a posição de defensor do liberalismo econômico, mas com a má repercussão do anúncio de Fernando Henrique de que pretendia acabar com a Era Vargas, recuou. Receando o repúdio do eleitorado, repudiou seu legado e tentou retornar a suas origens social-democratas, mas este espaço já estava ocupado pelo PT com muito mais competência. Hoje não tem a oferecer senão os mesmos candidatos que já foram derrotados em eleições passadas, e que provavelmente serão derrotados de novo.

O PMDB está no poder na pessoa do presidente Michel Temer, mas é como se não estivesse. Medíocre e sem respaldo popular, Temer nunca deixou de ser um interino. O país só voltará a ter um presidente efetivo, seja ele qual for, após a próxima eleição. O PMDB há 20 anos acomodou-se aos conchavos, ao loteamento de cargos, e não mais ambicionou a liderança. Natural que não tenha mais líderes com um mínimo de carisma, nem candidatos com um mínimo de apelo ao eleitorado.

Estando os grandes partidos nacionais em crise, o espaço fica aberto para os partidos nanicos e seus conhecidos aventureiros. A partir daí podem ser considerados um certo número de cenários possíveis após a eleição presidencial deste ano.

Primeiro, o PT vence, com Lula, ou com alguém apoiado por Lula. Resta saber se irá se manter coerente à narrativa do golpe que tem propalado até agora, não reconhecendo a validade da ordem constitucional supostamente subvertida pela ação golpista, e partindo para uma reforma política revolucionária, destituindo todos os agentes da mídia, da polícia e do judiciário supostamente responsáveis pelo golpe. Como certamente não obterá ampla maioria no legislativo, uma ação assim só será exequível se houver grande agitação popular comparável àquela que precedeu a subida de Hugo Chávez ao poder na Venezuela. Altamente improvável. A outra alternativa seria o PT esquecer a narrativa do golpe, aceitar as regras atuais e compor uma nova coalizão com as demais forças políticas. Mas o cenário atual é bem menos otimista que o de 2002. Enfraquecido, o PT permaneceria refém dos partidos de centro sem projeto. Ou ainda, o PT perde, desiste da política parlamentar e retorna a suas origens militantes, aos sindicatos e movimentos sociais, ocupando papel que hoje é exercido pelo PSol.

Segundo, vence outro partido de esquerda lançando um candidato já conhecido. Nenhum deles tem o carisma de Lula. Carecendo de apoio popular ou parlamentar, o destino será permanecer refém daquela massa de políticos sem ideologia nem projetos, e o país continuará no imobilismo atual. O mesmo destino terá um eventual candidato do PSDB ou do PMDB que sair vencedor: sua escolha será vista pelo eleitorado como um mal menor, a fim de evitar a vitória de um candidato radical. Penso que mesmo um candidato “alternativo”, tipo Marina Lima, não terá destino diferente: sem luz própria, dependerá da maioria parlamentar.

Terceiro, vence Jair Bolsonaro. Este tem luz própria e empolga uma fatia do eleitorado, mas seu discurso até agora tem sido populista e pouco razoável. Aí se abrem duas hipóteses. Bolsonaro pode se manter fiel às promessas de campanha e partir para o choque contra as esquerdas. Mas as esquerdas, no momento atual, não têm sua cidadela na política, mas nos movimentos sociais, notadamente aqueles que praticam o chamado marxismo cultural, defendendo minorias desajustadas. Não há mais subversivos nem guerrilheiros. O enfrentamento ficará mais no terreno retórico dos factóides, e contribuirá para desgastar Bolsonaro, já que aquilo que o eleitorado realmente almeja é a volta do crescimento econômico. Ao termo, ou Bolsonaro acabará impedido, repetindo o roteiro de Collor, ou será reduzido a uma caricatura de Donald Trump. A outra hipótese será Bolsonaro abandonar o discurso extremista e tentar fazer um governo pragmático, dedicado a recuperar a economia e trazer a volta do crescimento. Mas Bolsonaro até agora não demonstrou grande interesse pela economia. Resta saber se obterá sucesso nessa área, ou se fará um governo de austeridade feijão-com-arroz, que suscitará saudades dos bons anos de Lula e abrirá o caminho para um futuro governo de esquerda, repetindo o roteiro do segundo governo de Fernando Henrique.

Quem viver, verá.

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