quarta-feira, 23 de abril de 2014

Agora, ao menos os mortos têm nome

A recente morte do dançarino do morro do Pavão-Pavãozinho, ao que tudo indica assassinado por policiais, levantou mais uma vez as diatribes contra as UPP´s nas mídias virtuais. Acusam as UPP´s, além de cometerem abusos, de não estarem cumprindo seu suposto papel "social":

"...é que a contrapartida em aumento da oferta de serviços e infraestrutura para as áreas pacificadas não acontece no ritmo necessário, as novas vagas em creches e escolas, as novas unidades de saúde, as obras de saneamento e mobilidade que deveriam acompanhar as UPPs, ainda estão no papel"

" A violência do soldado nas vielas reflete não seu treinamento na corporação, mas o discurso virulento de extrema direita e discriminatório contra pobres e favelados, amplamente difundido na mídia e a política ?higienista? de ?limpeza urbana? para os grandes eventos de nossos governantes, bem como a falta de disposição de negociar dos mesmos com os movimentos sociais e a truculência com que trataram as manifestações populares"

A discussão completa pode ser encontrada no Centro de Mídia Independente:

http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/04/530956.shtml

Deixo aqui minha opinião:

UPP´s não são solução mágica, mas também é sandice afirmar que são inúteis. Se fossem, não haveria tanta gente fazendo campanha contra.

O caso é que as UPP´s se tornaram peça de propaganda eleitoral. É nesse ponto que entra um velho equívoco mais uma vez endossado pelo autor do post. É claro que essas obras são necessárias. Só que isso tudo não têm nada a ver com a violência e o crime. Julgar o contrário revela uma insistência, ou obsessão, em ver no crime um ato político: os favelados cometem crimes porque estão descontentes com a falta de creches, de saneamento de transportes; se o governo instalasse manilhas de esgoto e abrisse mais vagas em creches, os favelados supostamente deixariam de assaltar e de traficar drogas...
É nesse contexto que a violência policial se mistura ao espetaculoso: as favelas são servidas por cintilantes teleféricos. Qualquer um aqui sabe que teleféricos são para turismo, e não para transporte de massa; levam poucos passageiros e sua manutenção é cara e complicada. Mas são mais vistosos do que creches, sem dúvida...

Mas o problema, como eu já afirmei, é que as UPP´s se tornaram peça de propaganda eleitoral, então o governo não pode voltar atrás, ou ficaria desmoralizado. Só pode ir adiante. Fazer o que, então? Impingir à força policial um comportamento ético irretocável e um respeito absoluto aos direitos humanos, como sugeriu o autor do post? Todos sabem que nossa polícia não é assim, e uma tal lavagem cerebral de uma hora para outra é coisa do reino da fantasia. Outro equívoco repetido pelo autor do post é afirmar que a polícia age assim porque reflete o discurso de extrema direita discriminatório e higienista de nossa elite dominante. Isso é bobagem. O nosso policial vem do mesmo ambiente pobre povoado pelos marginais que combate, ele não tem nenhum motivo psicológico para se identificar com uma elite rica que nutre preconceitos contra os pobres. Veja o caso recente o dançarino assassinado: está ficando claro que tudo se originou de uma querela pessoal entre a vítima e um policial da UPP, por causa de uma motocicleta. A polícia age dessa forma por motivos pessoais, ela não está a serviço de nenhuma burguesia, e é tão bruta e ignorante quanto a maioria dos favelados.

Se as UPP´s estão brutalizando a população das favelas, isso, grosso modo, quer dizer que a polícia está trabalhando. Ela não sabe trabalhar de outra maneira. E está incomodando, sim, a inocentes, mas também a culpados. Retirar as UPP´s dos morros só fará voltar as favelas ao controle das milícias, que fazem exatamente o que as UPP´s estão fazendo, mas com duas diferenças: violência muito maior e cobertura da mídia muito menor. Antes, só víamos os cadáveres calcinados nos lixões. Agora, pelo menos, os mortos têm nomes.

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