sábado, 17 de setembro de 2022

A Monarca e a Nação

A notícia que dominou a mídia na última semana foi o falecimento da rainha Elizabeth II da Inglaterra. Entende-se que um personagem tão simpático desperte uma justa comoção ao partir deste mundo, e de fato, a falecida soube como poucos conduzir-se como uma rainha deve ser, separando com discrição a vida pública da vida privada.

Muitos, contudo, não julgarão o ocorrido algo diferente da morte de alguma socialite ou artista muito popular. Mas eu insisto que Elizabeth foi mais do que isso. O que é a monarquia no mundo atual? Um regime de espetáculo, politicamente inútil e muito dispendioso, ao qual só alguns países muito ricos e tradicionalistas podem ser dar ao luxo de manter, certo? Custa caro, mas não afeta o funcionamento do governo, digo a vida de quem efetivamente governa. Desperta a nostagia de um passado quando os governantes era figuras garbosas, tão diferentes dos políticos que querem se passar por homens do povo, mas o que importa é que, garbosos ou não, aqueles que governam são referendados pelo povo. Ponto. Ficou no passado a dicotomia Monarquia/Aristocracia X República/Democracia.

Mas afinal, se a monarquia é um regime onde o povo não governa, como explicar que no mundo atual todos os regimes monárquicos sejam democracias exemplares, e todas as ditaduras são ou foram regimes republicanos?

Aí temos que recorrer à História e acompanhar a evolução dos regimes monárquicos, de absolutistas a constitucionais, até chegar à mera encenação de espetáculo que tornaram-se no tempo presente. O caso mais emblemático foi o da Inglaterra. Difícil hoje pensar em uma Inglaterra onde não haja um rei. Já dizia um certo personagem cujo nome eu esqueci, no futuro so restarão cinco reis: o rei de copas, o rei de espadas, o rei de ouros, o rei de paus e o rei da Inglaterra. Mas nem sempre foi assim. A Inglaterra foi o primeiro lugar do mundo moderno onde o regime monárquico foi seriamente questionado, ali pelo século 16. Um rei perdeu a cabeça, mas depois chegou-se à concusão de que o melhor mesmo era ter um rei, e a monarquia foi restaurada. Mas até o fim do século 18 foi um regime bastante desastrado, com reis mais interessados na vida dissoluta do que nos assuntos de estado, o que abriu espaço para que o parlamento e o primeiro ministro concentrassem cada vez mais o poder.

A monarquia britânica só consolidou-se de fato e tornou-se benquista com o reinado da rainha Vitória, e de certa fora foi ela, e não a tirânica Elizabeth I, a precursora da falecida Elizabeth II. Com a agitação social resultante da revolução industrial, surgiu a demanda por um governo que incutisse respeito à população, e a jovem rainha mostrou-se a figura ideal. Vitória tornou-se o protótipo do governante que, com sua conduta pessoal ilibada, dá legitimidade ao regime e às hierarquias sociais que o sustentam. Apesar de nunca haver mostrado interesse pelas demandas populares e não esconder sua preferência pelos conservadores, Vitória gozou de bons índices de aprovação popular a maior parte de seu reinado, em razão do poder e prosperidade alcançados pelo Império Britânico, e por sua vida exemplar na companhia do marido, sem os escândalos e adultérios que haviam até então marcado a família real. Aí foi gestado o conceito que ganhou o nome de moral burguesa, oposta à lassidão dos aristocratas, mas também devendo servir de modelo às classes trabalhadoras.

Elizabeth II reproduziu sem grandes volteios o papel de Vitória. Então, a monarquia não é mero resquício inútil de épocas passadas, ela teve uma função ao construir o presente dos países mais evoluídos do globo, e por isto é mantida com esmero por estes. O monarca não governa, mas reina; ele não está vinculado a um partido, mas à nação; e como tal, reúne em torno de si um poderoso simbolismo que mantém acesa a mística da nacionalidade. Faz-nos muita falta algo assim, tal como também falta a tantas outras repúblicas imperfeitas ou meramente repúblicas de fancaria pelo planeta afora. Mas já o tivemos. Terá sido coincidência que o país foi o único do continente que obteve sua independência com um regime monárquico, e também o único que manteve-se íntegro, sem fragmentar-se em dezenas de republiquetas? Terá sido por acaso que o Segundo Reinado foi bem mais estável política e economicamente do que a república que o sucedeu?

O papel de nosso último monarca foi bem resgatado em um memorável artigo que o escritor Monteiro Lobato publicou no longínquo ano de 1918. Ele procurava explicar como a época da monarquia podia ter sido tão menos conturbada que os tempos republicanos que estava vivendo então, se o povo e a classe política eram essencialemente os mesmos. Ele chegou à resposta: a presença de dom Pedro II:

Pedro II era a luz do baile.


Muita harmonia, respeito às damas, polidez de maneiras, jóias de arte sobre os consolos, dando ao conjunto uma impressão genérica de apuradíssima cultura social.


Extingue-se a luz. As senhoras sentem-se logo apalpadas, trocam-se tabefes, ouvem-se palavreados de tarimba, desaparecem as jóias…

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