terça-feira, 29 de outubro de 2019

Brasil no olho do furacão?

Nosso continente é sujeito a tendências cíclicas, isso já é sabido. A derrota de Macri na Argentina, os distúrbios no Chile e no Equador, parecem indicar o fim do ciclo de governos conservadores que sucedeu ao ciclo populista da primeira década do século. Não obstante, o Brasil está tranquilo, assim como quem fica bem no olho do furacão. Isso apesar da posturas polêmicas que o governo Bolsonaro vem assumindo. A oposição é ruidosa, reunindo intelectuais, jornalistas, economistas e até ex-apoiadores do presidente, mas não empolga as massas.

A reação das massas nem sempre é fácil de prever. Isso ficou claro em 2013, quando um mês antes a aprovação de Dilma era de 70%, e de súbito despencou para menos de 30%, pondo a nu a frustração que vinha se acumulando silenciosamente contra seu governo. O caso do Chile parece ser análogo, mesmo porque começou, tal como aqui, com uma discussão em torno de centavos nas passagens do metrô. No Brasil, atribuo a atual pasmaceira, em primeiro lugar, à pasmaceira da economia. Não melhora, mas também não piora: a inflação está sob controle e não há pacotes econômicos à vista. Mas algumas coisas estão acontecendo devagar. A reforma da presidência foi aprovada sem estardalhaço, e o pacote anticrime avança entre percalços.

Penso que a ausência de manifestações violentas de repúdio à reforma da previdência se deve a esta reforma não haver sido colocada na forma de pacote, como é o costume nessa parte do mundo, mas ao invés disto haver sido alvo de longo debate. De qualquer modo, a queda do dólar nos últimos dias indica maior confiança na economia após a aprovação. O índice de desemprego também vem registrando ligeira queda, muito pequena para fazer diferença, mas sinalizando um cenário mais favorável daqui por diante. Foi anunciada uma redução no número de homicídios, também muito pequena para fazer diferença, mas que pode ter a ver com o pacote anticrime ora em debate.

Enfim, o povo parece haver dado um longo crédito de confiança ao governo. Estamos em compasso de espera enquanto nossos vizinhos se agitam. Mas o futuro, para eles, é previsível, e para nós é obscuro. A Argentina tem longa tradição de revezamento entre governos peronistas e conservadores, geralmente os primeiros arruinando a economia com gastos excessivos e os segundos entrando para consertar com medidas "neoliberais", mas o inverso também pode acontecer, como foi o caso do  peronista Menem, além da tendência dos conservadores argentinos de promoverem desastres ainda piores que aqueles dos populistas. No Chile também é observado um bipartidarismo, mais recente que o argentino, porém menos turbulento, com governos socialistas e conservadores se sucedendo desde o fim da ditadura de Pinochet, sem contudo desmanchar o arcabouço que permitiu ao Chile ser o país mais estável do continente.

Mas no Brasil, o bipartidarismo que deveria ser entre PT e PSDB naufragou em razão da postura agressiva dos petistas ao conquistar o poder, e da falta de coragem dos tucanos em defender o legado de FHC. Por conseguinte, o que virá depois de Bolsonaro é uma incógnita total. Conseguirá Bolsonaro se reeleger ou fazer seu sucessor, contrariando a tendência atual pró-esquerda do continente? O PT irá voltar ao poder, mais moderado e compondo-se com os demais partidos? Ou o PT vai voltar ao poder rancoroso e partindo para um confronto que necessariamente terminará em ditadura?

O que se pode fazer, por enquanto, é contemplar ao redor do olho do furacão.

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