segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Eu vi o futuro repetir o passado

O que era previsto aconteceu. Já na minha postagem passada eu manifestava a impressão de que a história ia se repetir. Disse Marco Túlio Cícero,

Aquele que não conhece a História será sempre um menino


Cícero quis dizer que para aquele que não conhece a História, tudo parece novidade, assim como tudo é novo para uma criança que ainda não tem vivência. O estudo da História serve ao menos para isso, para não ser feito de bobo. Quem conhece a História sabe que o fenômeno não é novo. Já é a terceira edição. O cenário é o mesmo: em um momento de desalento com a política, surge um arrivista sem ligações com as facções políticas tradicionais, prometendo um renovação geral em "tudo isso que está aí". O primeiro foi Jânio Quadros em 1961. O segundo foi Collor de Mello em 1989. Agora temos Jair Bolsonaro.

O fato está consumado, resta agora tentar explicar como um obscuro e exótico personagem, que frequentou por tanto tempo o congresso sem apresentar quase nenhum projeto, pôde de repente conquistar milhões de votos e tornar-se o novo presidente do país. E tentar prever o futuro à luz do passado.

O voto em Bolsonaro foi, claramente, um voto de raiva. Reflete um descontentamento difuso com o que vinha acontecendo no país desde longo tempo. É neste ponto que torna-se imprescindível explicar: por que tanta rejeição ao PT, que governou o país por 14 anos com nítido saldo positivo?

O sucesso de Bolsonaro foi, em grande medida, a transmutação do insucesso do PT. Mesmo que o governo Dilma tenha sido um desastre, os dois mandatos de Lula proporcionaram amplas melhorias ao nível de vida da população, e a popularidade do então presidente atingiu níveis recordes. Como foi possível o PT cair de maneira tão fragorosa tão pouco tempo depois?

As teorias são muitas, mas eu prefiro a mais simples. A falha maior do PT, a meu ver, foi não escutar aquele que é o anseio máximo da população: o combate ao crime que desde muito assola a sociedade em níveis crescentes. A proposta anunciada pelo PT foi criar penas alternativas no intuito de diminuir a população carcerária, e assim aumentar o número de criminosos soltos. Foi um erro visceral, do qual o PT não pôde escapar, pois já estava comprometido com essa linha desde pelo menos os anos 70, quando o fracasso da luta armada, que não teve o apoio dos trabalhadores, fez com que os ideólogos de esquerda cada vez mais se aproximassem dos marginais da sociedade, chamados eufemisticamente de "excluídos", mas a quem Marx cem anos atrás já denominava o "lumpen-proletariado", e com toda a razão afirmava serem imprestáveis como revolucionários.

Os trabalhadores aderiram ao capitalismo, então a esquerda vai buscar seu novo público entre os lúmpens, aí entendidos não apenas como os marginais, mas como todo grupo de indivíduos desajustados e inconformistas. Neste ponto o PT tocou em cordas muito sensíveis do caráter nacional. De fato, boa parte do eleitorado petista é constituída por aqueles cidadãos mais humildes, que são justamente os mais atingidos pela avassaladora criminalidade, bem como os detentores dos valores morais e religiosos mais conservadores. Essas pessoas viram seus valores enxovalhados pelo discurso petista, e endossaram a narrativa do PT como "partido de bandidos e vagabundos". Penso que o chamado marxismo cultural, que os militantes mais antigos viam como mera distração (e estavam certos) terminou por ser um estrondoso tiro no próprio pé.

Resta agora prognosticar o futuro. Há basicamente dois roteiros mais prováveis. O primeiro, como já citado, é Bolsonaro repetir a trajetória de Jânio Quadros e Collor de Mello: jovem e sem experiência em conchavos, cairá na ilusão de que pode governar sozinho, perderá gradativamente o apoio até ser excluído do poder de alguma forma. No segundo roteiro, Bolsonaro abandonará a linguagem ferina e o discurso extremista, e fará um governo pragmático conduzido por seu ministro da economia, tomando as necessárias medidas de austeridade para a retomada do crescimento econômico, e seu sucessor colherá os frutos. Será o novo Fernando Henrique Cardoso. Curioso que tanto no primeiro como no segundo roteiro, o desdobramento será a retomada do poder pela esquerda com o próximo presidente.

Há ainda um terceiro roteiro: Bolsonaro aprofundar sua retórica extremista e reinstaurar o regime dos militares encerrado em 1985. Mas uma nova ditadura será uma ópera bufa. As condições do presente nada tem a ver com as de 1964. Não há mais guerra fria, não há mais URSS bancando o partido comunista, não há mais exilados em Cuba, não há mais guerrilheiros no interior. Seria até uma contradição de termos, pois o regime dos generais era estatista, e Bolsonaro proclama-se liberal. Aí não sei o que vai acontecer, mas é provável que sua queda será ainda mais rápida. Se Bolsonaro quiser mesmo começar uma nova etapa na política e fazer seu sucessor, terá que reinventar-se. A retórica de botequim de nada vale nos gabinetes.

A roda da História nunca deixa de girar. Mas às vezes não sai do lugar. Esperemos que o futuro não repita o passado.

2 comentários:

  1. Bom artigo.
    Outro motivo pela queda do PT é a corrupção generalizada que caracterizou os seus mandatos. Corrupção sempre existiu, mas nunca num nível desses. Virou deboche, elites sanguessugas sugando o estado e deixando o país morrer para bandidos.

    Outro detalhe: O PT não fala mais nada com nada sobre economia. Falta um Palocci ali pra dar um bom senso. Bolsonaro é ignorante em economia, mas admite e fala coisas muito mais inteligentes que as maluquices econômicas de Haddad e do PT.

    Sobre o governo Bolsonaro: Bolsonaro é a maior força política nacional desde a ascensão de Lula. Ele catapultou um partido nanico pra segundo maior no congresso. Desconfio que será a maior presença politica nacional por no minimo, uma década. Se ele realizar as reformas que quer, vai ser o Vargas do século 21, facilmente.

    Acho que uma coisa que permitiu a ascensão do Bolsonaro, é como ele sabe falar com o povo, e não apenas isso - Bolsonaro usa a internet pra contornar a imprensa e falar diretamente. Um populismo, mas no bom sentido.
    Bolsonaro não vai se tornar "moderado" nem deve, porque isso seria trair suas próprias caracteristicas. Bolsonaro deve, sim, ser ousado como sempre foi, porque é isso que a situaçãp precisa.

    Suspeito que o Centrão vê Bolsonaro como um veiculo pra fazer as reformas. Bem ou mal, as reformas precisam ser feitas ou o país vai a bancarrota, e os parasitas do erário serão prejudicados. Parasita não quer matar hospedeiro.

    Se Bolsonaro vai ter força pra fazer o que quer, vai dependner muito dos primeiros meses e o que ele consegue realizar. Boas reformas logo no começo darão á ele o que é necessário pra ter capital político o bastante pra manter o congresso comportado. Se ele botar comida na mesa do trabalhador brasileiro, o sucesso se autoperpetua.

    Votar no Bolsonaro foi uma aposta, talvez até um erro. Mas é melhor apostar em algo novo, que tem chance de sucesso, do que em algo que já fracassou e não tem vistas de dar certo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O PT, de fato, levou a corrupção a um patamar inédito: pela primeira vez, o grosso do dinheiro desviado destinava-se ao caixa de um partido, ao invés de bolsos particulares. É claro que, para que a quantia que entra nos bolsos particulares continue a ser atrativa aos operadores do esquema, o montante desviado precisa ser muito maior. Foi assim que o PT fez explodir a corrupção no país.

      Bolsonaro tem uma grande chance nas mãos, mas também grandes possibilidades de malogro. Para não repetir o roteiro de um Collor ou de um Jânio Quadros, ele precisa não deixar que o poder lhe suba à cabeça, e saber escolher as pessoas certas para as áreas que não domina pessoalmente, sobretudo a economia. Ele pode mesmo ser o homem do destino que vai executar as reformas que o país precisa para não ir à bancarrota.

      Excluir