quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Relatório da Comissão da Verdade

Saiu hoje o relatório da Comissão de Verdade, sem revelar muita coisa além do que já sabíamos, conforme era esperado. Serviu mais para remoer velhos sentimentos e ressentimentos, vide as lágrimas da Dilma...

Mas o período do governo militar 1964-1985, apesar de já relativamente distanciado no tempo, ainda está longe de ter uma avaliação isenta da parte dos comentaristas, mesmo daqueles que nem eram nascidos na época. Repetindo o chavão, é ferida não cicatrizada. Impressiona ver a coleção de ideias prontas e esquematismos repetidos vezes sem conta sobre aquele período. Uma boa amostra delas saiu nessa reportagem da UOL, provocativamente intitulada Você sabia que a ponte Rio Niterói e a PM são heranças da Ditadura?

A página afirma que a Polícia Militar, a corrupção, a dívida, a inflação, a educação ideológica, o aumento da desigualdade e as obras faraônicas foram um legado deste período. Nem tudo é verdade, nem tudo é mentira. Mas já que estamos em época de comissões da verdade, temos aqui uma boa oportunidade de examinar caso a caso.

Polícia Militar: falso. Já existiam polícias militares no Brasil bem antes de 1964, apenas com outros nomes (Força Pública, Brigada Militar, etc.) e subordinadas à autoridade dos estados. O que o regime militar fez foi subordinar nominalmente as polícias militares ao comando do exército, e elas passaram a ser intituladas "forças auxiliares". Entretanto, o que o governo tinha em mente era a utilização das PM´s como auxílio no combate à guerrilha. O crime comum, embora já em ascenção na época, não foi considerado questão de segurança nacional, e na prática as PM´s continuaram agindo como sempre haviam agido.

Corrupção: havia corrupção, sim. Mas não era superior à que havia hoje, mesmo porque o governo não tinha necessidade de comprar votos. O maior escândalo do período, o Escândalo da Mandioca, ocorrido no governo Figueiredo, desviou um montante minúsculo se comparado aos escândalos que vieram depois.

Dívida e inflação: verdade. Os governos militares seguiram o modelo do nacional-estatismo fundado por Vargas e Kubitchek, caracterizado pelo papel central do Estado na condução da economia e financiado pela inflação e pelo endividamento. Os governos de Vargas e Kubitchek, ao menos, não utilizaram esses dois instrumentos simultaneamente - por exemplo, nos anos JK a inflação subiu, mas o país rompeu com o FMI e o endividamento permaneceu baixo. O maior erro dos militares foi aumentar simultaneamente a inflação e o endividamento.

Educação ideológica: parcialmente verdade. Os militares incluíram no currículo as matérias de Estudos dos Problemas Brasileiros, Organização Social e Política do Brasil (OSPB) e Educação Moral e Cívica. Mas isso me pareceu bastante inócuo, e até contraproducente: a democracia era louvada e o OSPB ensinava o funcionamento de um regime republicano, exatamente o contrário do que eu via o governo fazer!

Aumento da desigualdade: sofisma. A desigualdade é uma estatística que mostra a participação relativa de cada faixa de renda no bolo nacional. Durante o período a participação relativa das camadas mais pobres encolheu, e esse fato é citado maliciosamente como prova de que os ricos ficaram mais ricos à custa de tornar os pobres ainda mais pobres. Mas em termos ABSOLUTOS, tanto a renda dos ricos quanto a renda dos pobres cresceu, só que a renda dos ricos cresceu mais rápido, resultando em um aumento da participação relativa da fatia destes no bolo. A prova do aumento do nível de vida dos trabalhadores na época foi a quase ausência de operários nos movimentos guerrilheiros, via de regra siglas incipientes contando com poucas dezenas de estudantes, intelectuais,padres, ex-militares, etc.

Obras públicas: parcialmente verdade. De fato, os militares fizeram na época muitas obras faraônicas e de utilidade duvidosa, como a transamazônica. Mas quem hoje afirmaria que a ponte Rio-Niterói e a hidroelétrica de Itaipu são inutilidades?

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