segunda-feira, 25 de abril de 2016

Quando foi mesmo que a engenharia nacional se trumbicou?

O desastre da ciclovia domina o noticiário desta semana, mas logo estará esquecido. Desastre é o que não falta no Brasil atual. Mas às vezes uma simples imagem fica na memória e suscita questões que permanecem.

 
 
Refiro-me ao curioso contraste entre a nova ciclovia e as arcadas da Gruta da Imprensa, feitas de pedra, que ali estão há bem uns cem anos, com jeito de que daqui a outros cem anos continuarão lá. Passam uma impressão de solidez, serenidade e perenidade, e também de tradição - lembra uma obra do tempo dos romanos. A ciclovia construída sobre ela parece um brinquedo que alguém colocou displicentemente em cima de um móvel antigo.
 
Impossível não se perguntar: se a engenharia nacional, um dia, pôde fazer uma obra tão segura e bem acabada como as belas arcadas que há cem anos seguram aquele trecho da avenida Niemeyer, por que não é mais capaz de fazer uma simples ciclovia que resista às ondas? Com certeza a engenharia nacional já conheceu dias melhores. Em que instante, afinal, ela se trumbicou?

Rebuscando a memória, em me recordo de epidemias de obras desabando em seguida a um período de rápido progresso. Foi assim no tempo do "milagre" dos militares - lembram do desabamento do elevado da Paulo de Frontin em 1971? Não foi o único. Agora, em seguida a outro período de rápido crescimento econômico puxado por obras e mais obras, acontece de novo. Penso que o que matou a engenharia brasileira foi o nacional-estatismo: sendo o governo o grande motor da economia, o maior contratante de obras úteis e inúteis, diversas empreiteiras passam a depender exclusivamente de contratos com o poder público, e contaminam-se com os vícios inerentes a esta parceria: prazos estourados, preços superfaturados, vista grossa a falhas e tudo isso negociado com propinas, abandonaram-se os paradigmas originais da engenharia: a máxima eficiência e o mínimo custo. A fórmula do sucesso é a mínima eficiência e o máximo custo, porque a diferença vai parar no bolso de alguém.

A engenharia brasileira só vai renascer com o fim do nacional-estatismo.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Há paralelo entre Dilma e Collor?

O estudo do passado serve para entender o presente, e quiçá prever o futuro. Assistimos hoje ao segundo processo de impedimento de um presidente nos últimos 30 anos. Fica a questão: pode-se apontar algum paralelo entre o impedimento de Collor e o de Dilma?

Eu costumava responder que não. Os dois processos acontecem em contextos muito diferentes. Collor era o "rosto novo da direita" e Dilma é o rosto velho da esquerda. Collor não tinha um partido forte, e Dilma tem o PT. Collor não tinha o apoio das massas, e Dilma ainda dispõe de numerosos apoiadores. Na época de Collor havia um consenso quanto à sua culpabilidade, e no momento atual o país está dividido. As acusações feitas a Collor foram muito diferentes das acusações feitas a Dilma.

Mas tirando o contexto e concentrando o foco apenas nas pessoas de Collor e Dilma, vê-se que há, sim, algumas similitudes. Cada um a seu tempo, ambos foram inexperientes - Collor era muito jovem, um dos mais jovens dos presidentes brasileiros; Dilma é mais velha, mas nunca antes havia disputado uma eleição. Ambos foram arrogantes e subestimaram o poder de seus adversários, consequência natural da inexperiência. Ambos romperam com, ou não souberam manter sua base aliada no congresso. Enfim, faltou habilidade política, e tampouco tiveram o carisma que eventualmente permitiria um governo personalista. Uma vez que tais acontecimentos se repetiram em um intervalo de apenas trinta anos, pouco tempo em se tratando de política, não podemos considera-los fortuitos: identifica-se aqui uma regra geral que se aplica ao país. Esta regra é: no Brasil atual, nenhum presidente se mantem no poder caso perca a confiança dos principais partidos, aquela massa de siglas e nomes que parecem pouco relevantes, mas que juntos formam o núcleo do poder político, são o fiel da balança e detêm o voto de minerva. Bom ou mau, são eles a autoridade máxima do país, e uma vez que ninguém nesse país, muito menos o presidente da república cumpre a lei estritamente, sempre será possível invocar pretextos legais para o impeachment.

Há outra regra que pode ser identificada: no Brasil atual, o judiciário é independente e atuante. Nem Collor nem Dilma tiveram o poder de deter as investigações. Ainda mais com os novos dispositivos da legislação, como a delação premiada, parece ter-se inviabilizado daqui por diante que o apoio ao governo seja comprado com os usuais expedientes da corrupção - a menos que haja uma dramática reviravolta que exclua esses novos dispositivos legais, tal como sucedeu na Itália pós-mãos limpas, daqui por diante o país terá que inventar um novo método de fazer política e garantir a governabilidade. O que nos aguarda no futuro? Um parlamentarismo ex-officio, onde ao invés de processos de impeachment teremos o tradicional voto de desconfiança e a formação de novo gabinete? Não me arrisco a prever. As nuvens estão muito escuras.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

O Brasil encaminha-se para um buraco negro?

Com o impeachment da presidente Dilma Rousseff avançando dia a dia, o país se encaminha para um quadro nebuloso que até pouco tempo atrás era piada, havendo quem jurasse que o próximo presidente poderia ser o Tiririca. Não será o Tiririca, mas o que virá não é muito melhor. O certo é que pela primeira vez em 20 anos o país sairá do domínio da coalizão PT/PSDB - o PT cairá, mas o PSDB não assumirá o seu lugar. O poder estará nas mãos de dois arrivistas, Michel Temer e Eduardo Cunha.

Quem são eles para governar o Brasil? O primeiro, um medíocre ambicioso; o segundo, um conhecido delinquente investigado, cínico e vingativo. Pertencem ao PMDB, o partido mais numeroso do país, mas que desde muito não tem mais qualquer projeto coerente ou coesão entre seus membros - é um saco de gatos, do qual escaparam esses dois gatos pingados que agora preparam-se para assumir o comando do país. É evidente que não terão respaldo de ninguém. A rejeição a eles é muito maior que a rejeição a Dilma Rousseff. Consumado o impeachment, a esquerda alijada do poder vai disparar suas baterias contra o  novo governo, que tampouco terá o apoio da direita, a qual já tem seus próprios líderes e não precisa daqueles dois. Eles não vão segurar o rojão, provavelmente serão cassados e se fará nova eleição, e o que virá a seguir é totalmente imprevisível - talvez um Berlusconi, concretizando a maldição lançada pelos descontentes com a operação Lava Jato.

Estando o terreno logo à frente totalmente escuro, só vejo luz em 2018. Lula está bem cotado, e poderá ter uma ótima oportunidade de reverter todos os erros que foram cometidos desde o anúncio da nefasta Nova Matriz Econômica, e trazer o país de volta aos bons tempos de seus primeiros dois mandatos, enquanto foi mantida a macroeconomia herdada do Plano Real. Com as contas de volta ao azul após os necessários ajustes e privatizações, sobrarão recursos para reativar os programas sociais. A carga tributária poderá ser reduzida, e removidos os obstáculos e a selva burocrática que travam o crescimento da economia, como a exigência de conteúdo nacional, garantindo assim um crescimento autossustentado por longo tempo. Estou sonhando? Uma vez assumindo o governo em um cenário de terra arrasada, sem qualquer outra liderança sobrevivente e sendo ele a única luz na escuridão, Lula terá todas as cartas na mão, apto a trazer o país de volta à racionalidade, ou destruí-lo de vez. Quem viver, verá.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Quando teremos outro Afonso Pena?

Enquanto o futuro não chega e o presente permanece travado, o que há para fazer é olhar o passado em busca de referências e recorrências. Quem não conhece a História será para sempre um menino, afirmou Cícero.

Vou falar hoje de um certo ex-presidente, Afonso Pena, que governou entre 1906 e 1909. A princípio ele não parece ter nada de extraordinário. Sua figura nada fotogênica parece destinada a enfeitar uma daquelas galerias de fotos em preto-e-branco de ex-presidentes que enfeitam as paredes de clubes. Mas duas coisas eu me lembro de haver lido a respeito dele. Uma, que seu ministério era apelidado de Jardim da Infância em razão da pouca idade de seus ministros. Outra, de que ele foi o único presidente brasileiro que morreu de tanto trabalhar.

De trabalhar, Afonso Pena tinha que gostar mesmo. Não era filho de grandes fazendeiros de café, mas de um modesto imigrante português, e teve que dar bastante de seu tempo atrás do balcão da botica do pai antes de ter recursos para vir à capital estudar. Embora eleito presidente dentro dos protocolos da política do café-com-leite, sua gestão não se prendeu de todo aos interesses desta política. Gostava de conduzir as coisas à sua maneira, e sabia separar política de administração, conforme suas palavras:

Na distribuição das pastas não me preocupei com a política, pois essa direção me cabe, segundo as boas normas do regime. Os ministros executarão meu pensamento. Quem faz a política sou eu.


A essa altura já dá para perceber que o apelido depreciativo de Jardim da Infância dado aos ministros de Afonso Pena nada mais era do que despeito por ele haver montado seu ministério sem ouvir indicações de ninguém, nomeando técnicos jovens e desconhecidos, tendo como critério somente a competência. E deu certo, pois seu governo de apenas três anos foi de muitos empreendimentos. Pela primeira vez a Amazônia foi ligada ao Rio de Janeiro por fios telegráficos. Ampliou a malha ferroviária, e pela primeira vez o sudeste foi ligado ao sul do país por trem. Abriu o país ao povoamento, e incentivou a imigração: além de aumentar o número de imigrantes europeus, é de seu governo também a assinatura do tratado que permitiu o início da imigração japonesa. Também modernizou o exército e a marinha com a aquisição de modernos couraçados, e sua lei do serviço militar está vigente até hoje. Mas em razão de não aceitar indicações e apadrinhamentos, terminou politicamente isolado e não conseguiu fazer seu sucessor. Na crise que se seguiu foi aberto um hiato na política do café-com-leite, que só seria restabelecida sob Wenceslau Braz (1914-18).

Era exigente no trato com sua equipe e mantinha uma rotina de trabalho rigorosa para sua idade avançada, em razão da qual terminou por adoecer e faleceu antes de terminar o mandato. Passados mais de cem anos, Afonso Pena surge como uma curiosidade do passado, uma singularidade de nossa História. Ele fez exatamente o contrário do que tem sido feito pelos governos do presente, com seu séquito de dezenas de ministérios de duvidosa utilidade ocupados por turbas de apadrinhados da base aliada, quase sempre desconhecidos sem familiaridade alguma com as pastas que ocupam. A política parece ter triunfado galhardamente sobre a administração, e o que é pior, ninguém demonstra achar isso errado.

Quando teremos outro Afonso Pena?